home Antologia, LITERATURA Viva México – Alexandra Lucas Coelho (C. das Letras, 2018)

Viva México – Alexandra Lucas Coelho (C. das Letras, 2018)

Donald Trump quer um muro de aço na fronteira com o México. Morre mais uma criança sob custódia dos EUA após passar a fronteira. O México ultrapassa o Brasil e conta agora com mais representantes entre as cidades mais violentas do mundo. Como chegámos aqui?

Na reedição da Companhia das Letras de Viva México, 10 anos depois da viagem de Alexandra Lucas Coelho a este país, regressamos a umas das terras-berço do mundo. A jornalista, numa linguagem rápida e vívida, conduz-nos num encontro quase fenomenológico, pela perceção da essência de um povo, através da intuição que revela nas suas paragens e pelo interesse que faz nascer no leitor.

Um livro de viagens é sempre um relato de vida, um percurso. Um bom livro de viagens faz do trajeto o reflexo subjetivo de um todo. Atira-nos para a viagem e faz-nos parte do caminho. Este é um bom livro de viagens. Deixa o México na nossa cabeça e no nosso coração.
O início – a Cidade do México e uma imagem que nos acompanha sempre na leitura:
Montezuma, o grande imperador dos astecas, ou mexicas, encontra Cortés e confunde-o com Quetzalcoátl, a serpente emplumada que regressa para reclamar as suas terras. O mito e o real forjam um novo mundo: Montezuma é morto, o esplendor de Tenochtitlán é destruído e, por cima deste lugar primordial, nasce a Cidade do México, símbolo da ocupação espanhola, que durará três séculos, até à independência em 1821.O palácio de Montezuma dá literalmente lugar ao palácio de Cortés e, mais tarde, ao Palácio Nacional, sede do poder executivo. A História soma-se em camadas, mas mistura-se em profundidade.

Depois, Coyoacán, o bairro de Frida. Alexandra Lucas Coelho mostra-nos o amor de Frida Kahlo e Diogo Rivera, na Casa Azul. Tão vulneravelmente humana, esta história tornou-se mais forte do que a dos deuses, na lenda e na verdade que continuam a dar a vida a este país.

Partimos de novo, agora para Norte. Vamos para Juárez. E aqui a leitura inquieta-se. Ouvimos sirenes, sentimos a morte, que já nada tem de passagem, mas apenas de fim. A morte crua e dura do narcotráfico. O mito agora pouco tem de asteca; é o american dream. El Paso, o antigo território mexicano, parece a fuga mais certa da dor e da corrupção. Desejamos que estas 70 páginas passem depressa. Queremos sair de Juárez. Fica uma sensação de vazio profundo. Sentimos mais agora a dor e a humilhação de quem passa a fronteira americana. Temos de avançar.

E por fim, o Sul: Oaxaca, Juchitán, Ixtepec, Chiapas e Yucatán. O ambiente torna-se mais leve, mais verde, mais indígena. Pelo caminho, o PRI perde as eleições. Levamos mais gente na nossa viagem: artistas, refugiados, padres, professores e os muxe, um lugar de vida intermédio entre o homem e a mulher. Em San Cristóbal, subimos as montanhas, passamos território zapatista em rebeldia.  Sentimos a presença do Subcomandante Marcos, principal porta-voz do comando do  Exército Zapatista de Libertação Nacional, que se recolhe agora em silêncio. O México é um país que se repensa e a arte é uma das principais armas da revolução.

Não é uma viagem fácil, esta por Viva México. A reedição, 10 anos após o livro original, talvez merecesse um prefácio, com uma leitura da atualidade sobre a viagem vivida. Cabe assim ao leitor este trabalho. O México continua a surgir com um deus adormecido pelos interesses da corrupção e do capitalismo. Talvez, um dia, Quetzalcoátl, a serpente emplumada, venha reclamar o que é seu.

Por defeito profissional, a Maria Santos Leite escreve de acordo com o novo desacordo ortográfico.

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