home Antologia, LITERATURA A Grande História dos Heróis Gregos – Stephen Fry (Clube do Autor, 2020)

A Grande História dos Heróis Gregos – Stephen Fry (Clube do Autor, 2020)

Stephen Fry não é um recém-chegado aos livros. Nem sequer acaba de descobrir um interesse pelos mitos da Grécia Antiga. Bem ao contrário disso, o actor e comediante – activista, apresentador televisivo e presença inconfundível nos media – é autor de vários romances, volumes de autobiografia, além de admiráveis livros no domínio lato da não-ficção, como este A Grande História dos Heróis Gregos. De resto, o Clube do Autor já tinha publicado, não muito antes, A Grande História dos Mitos Gregos. Qualquer um destes títulos confirma os dons comunicativos, o espírito (no sentido de wit, palavra que se diria definir Fry) e a solidez cultural dos seus avanços nas várias frentes a que se dedica. Quem o tiver visto desempenhar o papel de Oscar Wilde, discorrer sobre Shakespeare, dizer os seus poemas, ou representar o dramaturgo, saberá que Stephen Fry é, antes de mais, um homem de cultura. E um sábio – no sentido em que possui essa capacidade rara de abarcar uma imensidão de saberes sem que estes o impeçam de os comunicar aos seus semelhantes com humanidade e singeleza, sem arrogância nem soberba. E de o fazer de um modo soberbo: fluente, harmonioso, sempre acutilante. A elegância da sua frase só pode rivalizar com o aprumo com que o autor usa a ironia e todos os recursos à disposição de uma inteligência treinada e capaz de fazer da construção de sentidos um processo aliciante, proveitoso e que provoca o riso sem deixar adormecer a consciência – como, não poucas vezes, faz a escrita humorística, ou aquela que o pretende ser.
Quem parta para este livro à procura do comediante Stephen Fry, não vai desiludir-se. Porque um autor, como qualquer pessoa, não se pode, nem deve, fatiar, e não é possível, nem desejável, compartimentalizar a esse extremo, salvo casos de engavetamento patológico. Não é, definitivamente, o que se passa aqui. É indesmentível que Fry é sempre proveitoso e informativo, empenhado que está na sua tarefa de divulgador; no entanto, seria impensável que uma constituição de tal forma irónica e espirituosa passasse por estas narrativas sem as abrilhantar com a sofisticação da sua graça.
A introdução de Stephen Fry é das que não se devem saltar à frente. Não porque nos deva mover qualquer complexo de culpa, ou síndroma do bom aluno, mas porque o seu texto é merecedor de atenção:

«Zeus está sentado no trono. Governa o céu e o mundo. A esposa-irmã Hera e sua família, os outros dez deuses do Olimpo.» (p.17)

Estas são as figuras do livro de Fry anteriormente publicado entre nós. Agora é chegado o momento de conhecer outros protagonistas:

«A Idade do Ouro tornou-se a Idade dos Heróis – homens e mulheres que agarram o próprio destino, usam as suas qualidades humanas de coragem, astúcia, ambição, velocidade e e força para conseguir feitos assombrosos» (id.)

O modo escolhido por Fry não é expositivo, mas narrativo. Por esse motivo, o seu método não consiste em concatenar um conjunto desgarrado de factos, nem muito menos em listar verbetes, em jeito de definição. Recorre antes ao balanço das histórias que toma por base – e é à sua recriação, ao seu inspirado reconto, que se entrega. O estilo é conversacional, sem ser demasiado íntimo, amistoso sem abusar da confiança. Ou seja, este é um daqueles livros que restauram a nossa fé num livro que é um companheiro adequado e agradável e um transmissor fiável de conhecimentos que nos importam, ou queremos reaver:

«Começou, tal como muitas histórias gregas, com um abigeato. O deus sol Hélio era cioso da sua bela manada. O roubo levado a cabo pelo gigante Alcioneu foi a provocação final, o rastilho daquilo a que os gregos chamariam Gigantomaquia – a Guerra dos Gigantes.
Os gigantes, como estarão recordados, surgiram da terra, nascidos do sangue que jorrou dos genitais decepeadosdo deus primordl, do céu, Urano. Isso tornou-os a geração de Gaia, os “Gaia-gen”, que, com o passar do tempo, se converteu em gigantes.» (p.125)

Além de recorrer à narração, enquanto técnica de apresentar os seus motivos e temas, Stephen Fry não hesita em pôr em prática a tão difícil arte do diálogo, em recriações convincentes e instigantes:

«– Mas o que era aquilo – interrogaram-se os argonautos
– Talos – respondeu Nestor. – Aquilo era Talos.
– O meu tutor Quíron falou-me dele quando eu era criança – comentou Jasão. – Mas sempre pensei que se tratava de uma história estúpida inventada para me divertir.» (p.241)

A Grande História dos Heróis Gregos é um volume que não regateia na elegância, nem na graça. Stephen Fry instrui, ameniza o que pode ser intimidante, ou tedioso – discorre de forma sempre capaz de cativar. As suas armas secretas são apenas duas: o talento natural de um humorista inteligente – que é muito mais do que isso, como aqui – e uma formação clássica que lhe permite ser coloquial ao ponto de parecer displicente. Um dom ao alcance apenas dos muito conhecedores.

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