A meio da noite remete-nos para um dos vários títulos de Ingmar Bergman a que Olga Roriz aqui presta homenagem. Tal como em “A hora do lobo” (1968), este espetáculo convida o espectador a uma imersão na escuridão a que somos votados enquanto seres solitários por definição. A escuridão da ilha de Fårö, onde Bergman viveu e morreu, e onde rodou parte da sua obra, não é visual, antes o da incerteza que caracteriza o trabalho de um ator, seja ele uma das mulheres que o realizador sueco obsessivamente explora, seja o de uma companhia que, a partir de um plano de Roriz, se vê a braços com dúvidas, ódios, incertezas, que perpassam para o espetáculo final.
Não há uma narrativa dramatúrgica ou um bailado coerente, apenas impressões que nascem de um coletivo em luta durante semanas ou meses com o lado mais tenebroso do universo de Bergman. Os vários quadros que compõem este A meio da noite registam o processo de construção do espetáculo. O que retira cada ator da visualização de um filme de Bergman? Procura-se a si próprio ou cede e foca-se nos fantasmas de um outro? É isto o trabalho por excelência da representação: onde estou eu e onde está a personagem? Dou apenas corpo a ordens superiores de um realizador/encenador ou sou parte metafísica do boneco?
Fala-se sueco, evoca-se um Johan angustiado com as visitas à hora do lobo, ou a esfíngica Liv Ullmann em “Persona” (1966). As frases retiradas de um Bergman materializam, de repente, o pavor do ator perante o trauma que a cena x no filme z o fez convocar, e perante o isolamento de uma ilha perdida no Báltico que espelha o “autoritarismo frio e escuro” do realizador, como refere um deles em determinado momento.
Para além de bastidores tornados espetáculo, decorado abundantemente com estética bergmaniana, resta uma conjugação de momentos de dança e solilóquios, com mais destes últimos do que esperávamos encontrar, que acreditamos serem de árdua compreensão ou desinteressado entretenimento para espíritos quietos ou desconhecedores da filmografia do sueco.
Para mais detalhes sobre esta produção, assim como datas da digressão que percorrerá o País a partir de Setembro, passem pelo sitio da Companhia Olga Roriz AQUI.
Fotos: Sérgio Claro
Por defeito profissional, Luis Pimenta Lopes escreve de acordo com o novo desacordo ortográfico.
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