home Antologia, LITERATURA A Memória da Árvore – Tina Vallés (D. Quixote, 2018)

A Memória da Árvore – Tina Vallés (D. Quixote, 2018)

A D. Quixote edita Tina Vallés, uma escritora espanhola, natural da Catalunha, já com alguns prémios conquistados no mundo da literatura, por novelas, contos, romances e livros infantis.Na capa, A Memória da Árvore é descrito como “A história mágica e terna”, o que normalmente é código para romance xaroposo e delicodoce, do qual se deve fugir. No entanto, ultrapassada esta barreira, encontramos um empreendimento interessante: escrever sob a perspectiva de uma criança, o que não é um desafio de somenos, talvez porque, á medida que envelhecemos, esquecemos o que isso significa. Mas é esse o objectivo de Tina Vallés neste livro.

Jan é uma criança que vive em Barcelona com os seus pais, e é neto de Joan e Caterina. Um dia, os avós mudam-se para sua casa e a coabitação força uma alteração das rotinas. A Memória da Árvore assenta na relação de Jan e Joan, e na descoberta de que o avô está a perder a memória, com o acompanhamento de todo esse processo de decaimento. Ao longo das 205 páginas, Vallés transmite o desafio que é para uma criança encaixar a transformação que, mais do que entender, intui e deduz, na sua cosmogenia verde.

A escrita é simples na forma, tentando aproximar-se do que possa ser uma escrita infantil, mas nunca infantilizada – quer na sintaxe, quer no léxico. Estruturalmente são diversos textos, talvez um reflexo do ritmo de vida de uma criança, feito de quadros curtos, escritos a pinceladas largas e fluídas. Há também o recurso à ferramenta onírica para compor o imaginário de Joan.

Como óbice, talvez demasiados simbolismos, como a diferença entre o nome de Jan e Joan residir num “o” – a referência à vogal e ao seu signo perde qualquer subtileza se repetida a cada 3 páginas, tornando-se algo irritante como figura de estilo. As crianças também sabem ser delicadas, e os adultos não são assim tão distraídos No entanto, é compensado com frases/observações deliciosas: “Eu deveria ter gritado um viva de três ou quatro is” – p. 48.

A leitura tem várias camadas e exige alguma concentração para que se apreendam os diversos elementos: “são muitas mudanças pequenas que fazem uma grande, uma mudança grande que não vejo” (pág. 34).

Outro exemplo dessa complexidade não aparente são as reflexões acerca do tempo. Jan é um relojoeiro reformado, e a Autora usa essa característica para explorar a diferença de velocidade do tempo de um neto e de um avô (“Tempos antigos e lentos”, p. 42). É uma tangente interessante às dificuldades enfrentadas por Santo Agostinho quanto ao mesmo assunto (“Se ninguém me perguntar, eu sei. Porém, se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei.”).

O objectivo é bem alcançado, um livro de uma criança para adultos. Uma criança confrontada com realidades concretas de questões que, até àquele momento, se não lhe fossem desconhecidas, sê-lo-iam, seguramente, abstractas: o esquecimento, o envelhecimento, a decadência natural decorrente da longevidade, a substituição do futuro pela memória e, por fim, a perda desta: “Os esquecimentos do meu avô têm nome de doença” – p. 118.

A D. Quixote edita Tina Vallés, uma escritora espanhola, natural da Catalunha, já com alguns prémios conquistados no mundo da literatura, por novelas, contos, romances e livros infantis.

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