home Didascálias, TEATRO A.N.T.I.G.O.N.A. – TeCA, 16/9/2020

A.N.T.I.G.O.N.A. – TeCA, 16/9/2020

A.N.T.I.G.O.N.A, resultado duma residência artística do Teatro Experimental do Porto, tinha tudo para ser um excelente espectáculo. Um olhar renovado sobre o mito de Antígona, enquadrando esta figura da mitologia grega no contexto da luta anarco-feminista. Desafio pertinente e actual, é certo. Contudo, revelou-se aos nossos olhos uma tentativa gorada, na medida em que apresentou um conjunto de problemas estruturais que dificultaram a transmissão da(s) mensagem(s) que se propunha concretizar.
A estrutura em 3 actos é confusa, embora seja nítida a cronologia que nela subjaz. Faltou-lhe talvez o ritmo certo: não se compreende a opção de esticar a duração de um vasto conjunto de momentos contemplativos que poderiam ter tido outro impacto no público. O conjunto de instalações e performances, inseridas num processo reflexivo em torno das abordagens ao mito de Antígona no decurso da História da Arte, assume-se sobejamente interessante, pertinente e duma audacidade que não podemos deixar de destacar. Mas embora possamos realçar a sua profundidade e a ambição verdadeiramente de as conjugar numa só narrativa, constatamos que o fio condutor da peça como um todo acaba por sair comprometido.
Conceptualmente, a ideia de olhar Antígona através de outros textos (teatrais ou não) que sobre ela se debruçaram no passado revela-se aliciante. Assim como também é arrojada a opção duma criação original a muitas vozes partindo dessa premissa. Porém, a obra final resulta confusa. No primeiro acto, onde o texto é demasiado “cavalgado” (contraste absoluto e até exasperante com os actos seguintes) e pontuado por várias questões, não é discernível a razão para o desenrolar da narrativa não as esclarecer. Porque conhecemos duas personagens – Rosie e Duda – praticamente mudas? Embora em momento posterior seja revelado outro papel na construção do todo, a opção redunda num certo absurdo dramatúrgico.
Mas há um sem-número de outras questões de similar efeito que irrompem com o avanço da peça; na verdade, percebemos muito rapidamente que esta criação está repleta de saltos narrativos que vão longe demais, cujo sentido é inalcançável, seja pela subjectividade do público, seja pela concretização das ideias centrais do espectáculo. Uma narrativa aberta pode revelar-se um trunfo para uma experiência mais enriquecedora do público, mas também é verdade que a sua eficácia depende de algum acompanhamento do espectador, algo que “A.N.T.Í.G.O.N.A” não chega a conseguir.
A peça culmina com um feitiço sacrificial, uma imagem bela que merecia ser explorada de forma mais tangível. Se é louvável a opção de colocar a narrativa num formato de strange loop, diluindo as fronteiras entre ficção e realidade (no final, saímos da sala de espectáculos para encontrar em exposição muitos dos objectos artísticos a que o colectivo se refere durante a peça), a falta de ritmo e continuidade prejudica o clímax do espectáculo.

Destacamos a interpretação de Mia Tomé, duma profundidade e lucidez especialmente cativantes, assim como a composição visual, algumas das instalações e performances, assim como a cenografia e o desenho de luz, que acabam por conquistar uma força quase redentora: são eles que salvam os elos de ligação mal conseguidos, pontuando o espectáculo com momentos de uma beleza particular.

Foto © João Tuna

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