Este será, porventura, dos livros mais surpreendentes de Richard Zimler, desde logo por partir de um relato pessoal. Exímio romancista, para quem a ficção parece ter poucos mistérios (pelo menos a avaliar pela mestria que facilmente se identifica na sua obra, tão vasta no tempo e em quantidade), toma neste livro uma opção arriscada mas claramente compensatória. À Procura de Sana é também surpreendente pelo retrato vívido que nos oferece de um dos conflitos mais complexos do nosso tempo.
Sana é uma artista palestiniana com um fim trágico, que atormenta Zimler a ponto de o impelir a perseguir a sua existência intrincada. É dessa busca que se desenha esta fabulosa narrativa, talvez, arriscamos dizer, uma das mais impactantes da sua obra. Em Sana vamos encontrando um trajecto, que começa nas fundações do Estado de Israel e atravessa o tempo até um dos momentos mais disruptivos do nosso século: o 11 de Setembro, que, quase duas décadas passadas, podemos identificar como o começo de um anti-islamismo com tristes paralelos no passado histórico. Esta fabulosa mulher – real ou parcialmente ficcionada, só o poderemos supor – é-nos apresentada pela melhor amiga de infância, Helena, judia num tempo onde israelitas e palestinianos ainda podiam ser amigos.
Com o desvendar da história passam a simples vizinhos contrafeitos e mais tarde, a inimigos viscerais, que hoje (re)conhecemos. Nesse desvendar, Zimler conduz-nos pelas tantas e distintas camadas que nos compõem enquanto seres (mais) humanos. O anti-semitismo é aqui visto duma perspectiva muito particular, diríamos mesmo inusitada na sua obra, na medida em que parte do radicalismo que deriva da escalada bélica nos Territórios Ocupados para desaguar numa grande questão ética: em que medida difere o que hoje fazem os israelitas aos palestinianos daquilo que fizeram os nazis aos judeus? São muitas as respostas e o autor recusa qualquer forma de polarização. É de uma ternura assinalável a empatia com que Zimler nos coloca na pele de ambas as facções, inclusivamente na de alguém que acaba por se radicalizar quase sem querer.
Neste livro confrontamo-nos com a nossa falta de controlo sobre a vida, e como na verdade é na sua brutal tapeçaria que vemos o que somos, ou em quem nos tornamos. Já conhecemos a qualidade com que Zimler explora as dimensões do ódio, mas em À Procura de Sana percebemos como ele nasce e se alimenta, e conseguimos circunscrever com exactidão a perda do frágil controlo com que pretendemos aprisioná-lo, para o ver incendiar vidas inteiras.
Nesta abordagem plena de humanismo, onde a crítica não opõe os bons e os maus, mas antes explora a profunda ambivalência desta questão tão premente, é impossível ficar indiferente, seja à prosa incomparável do autor, seja à urgência de encontrar soluções que resgatem a nossa humanidade.
Mais Livros AQUI