home INTRO(missão) A sua bênção, por favor

A sua bênção, por favor

Eis-me no ano em que faço trinta, ainda com o desejo de encontrar alguém disponível para casar e constituir família. Sim, sou dessas pessoas e não luto menos contra o patriarcado. Sei que a minha luta é provida de ideologia. Abstenho-me de falar em formas de amar, tive um professor em Métodos e Ciências das Religiões que dizia que a Igreja se queria meter na cama com as pessoas e eu não sou a Igreja.

Porém, já ouvi: “O teu único defeito é seres uma pessoa monogámica.” Esta afirmação pede-me que pense em subjectividade e sociabilidade. Manifestar individualidade, ou seja: decidir de que forma me relaciono também é manifestar uma característica social à qual estou inevitavelmente atrelade, mas reclamando a autonomia suficiente a fim de dar sentido à minha escolha. E dou.

Acredito que as relações românticas devem ser capazes de prever o acesso a múltiplos presentes – livres de preconceito. O que é o tempo senão o presente, onde revisitamos o passado e construímos o futuro? Tal como acredito que é possível mudar o sistema, ao invés de achar esta hipótese utópica e ignorando a narrativa de que em duzentos anos destruímos o planeta.

Sonho com a redistribuição da riqueza e produção do necessário, com uma maior consciência do nosso consumo catastrófico. Recuso esperar que uma calamidade ecológica me bata à porta e retire o tempo necessário para poder planear o meu casamento, ainda que à semelhança de Slavoj Žižek, não ache que exista uma luz esclarecedora ao fundo do túnel, mas um comboio que vem contra nós (Humanidade).

                                                                                                   

Foto © JEB Joan. E. Biren

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Rafaela Jacinto é artista, ativista e queer desobediente do teatro e da escrita. “A música está na minha cabeça” é o seu terceiro livro, depois de “Regime” (2020) e “Fiz uma coisa má” (2021), ambos editados pela Douda Correria. Nasceu em 1994, licenciou-se em Teatro pela Escola Superior de Teatro e Cinema (2016) e é especialista em História e Cultura das Religiões pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (2019). Estudou ainda Cinema Documental e trabalhou na última década com os realizadores Joaquim Pinto e Nuno Leonel.

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