home Antologia, LITERATURA Agente em Campo – John le Carré (Dom Quixote, 2019)

Agente em Campo – John le Carré (Dom Quixote, 2019)

O protagonista de Agente em Campo é Nat, 47 anos, um veterano dos Serviços Secretos de Sua Majestade Britânica – a Repartição. Não é um espião mas um controlador de espiões, cuja função é recrutar oficiais de potências estrangeiras, aliciando-os a agir contra o seu país, seja a troco de dinheiro, amor ou ideais. Depois de passar por vários países europeus, está de volta a Londres, onde pondera a possibilidade de se reformar. Ali é-lhe oferecida a possibilidade de lidar o Porto de Abrigo, uma unidade para onde são enviados espiões ineptos, incompetentes, queimados ou inúteis que, de súbito, ganha importância estratégica, após serem detectadas movimentações a partir de Moscovo que indiciam a existência de um agente adormecido.
Nat é uma personagem multidimensional. É marido de Prue, uma advogada competente que deixou a carreira em suspenso para poder seguir o marido (a cumplicidade do casal é das mais eloquentes declarações de amor), e é pai de uma jovem de carreira académica e emocional errática. Através dele, espreitamos a compatibilização da normalidade quotidiana familiar com uma profissão invulgar – marido e espião, pai e espião. Nat é um jogador de badminton, campeão incontestado no clube de que faz parte, até ser desafiado por um jovem desengonçado, Ed. Jovem alto e desengonçado que trabalha numa agência de comunicação, tem opiniões muito contundentes acerca de Trump, do Brexit e da situação política internacional e torna-se um improvável companheiro. Mas o que faz um espião quando se reforma?
A escrita de John le Carré não mudou, é fluída e competente. Se algo aconteceu ao longo dos anos é que, aos 88 anos, se sente mais livre para soltar a mordacidade e exprimir de forma clara as suas posições políticas, tornando a sua escrita mais divertida. O enredo é, como sempre, intrincado mas coerente, e com surpresas que são trabalhadas com anos de antecedência. O que acontece perante os nossos olhos, é o resultado de jogadas iniciadas com anos de antecedência. A espionagem de le Carré não é feita de acção alucinante, de tiros e perseguições, computadores e engenhocas de alta tecnologia. É xadrez, é estratégia, é o grande plano e o longo prazo, com o tempo necessário para que a narrativa respire sem se tornar aborrecida. É uma leitura cerebral e não de corrida.
Apenas uma ressalva para a tradução que, por exemplo, na página 256, parece demasiado literal. A referência a hunos e rãs é evidente para anglófonos, mas não tanto para portugueses.
John le Carré, ou David John Moore Cornwell, tem uma longa biografia, tendo pertencido aos serviços secretos (MI5 e MI6) antes de se tornar escritor. Já este ano recebeu o Prémio Olof Palme, pelo seu envolvimento activo na divulgação de uma visão humanista centrada na liberdade do indivíduo e nos temas fundamentais da humanidade. Tem mais de 30 obras publicadas, muitas delas com bem sucedidas adatações ao cinema e televisão, como O Alfaiate do Panamá, A Casa da Rússia, O Gerente da Noite, O Fiel Jardineiro e outras. Agente em Campo é o mais recente volume desta longa série, com 328 páginas, editado pela D. Quixote.

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