home LP, MÚSICA Brad Mehldau Trio – Casa da Música, 25/02/2017

Brad Mehldau Trio – Casa da Música, 25/02/2017

Cada concerto do pianista Brad Mehldau é uma experiência única.
Desta vez, com a Casa da Música (novamente) cheia, suspensa em cada nota, a opção de Mehldau e do seu trio (Larry Grenadier no contrabaixo e Jeff Ballard na bateria), foi para um formato similar ao recital.
Do alinhamento de nove temas, dois terços foram composições inéditas, com nomes cómico-irónicos, provavelmente criados in loco, como “Gentle John”, “Solid Jackson” ou “Wolf Waltz”.
“Featuring Jeff Ballard”, nome dado por Mehldau, entre gargalhadas, a uma das melodias, foi pura magia. No melhor solo da noite, Ballard deixou tudo nas peles, sem exageros nem exibicionismos. Técnica pura, musicalidade e requinte.
O trio funciona como uma unidade, cada variação de ritmo ou tom rapidamente assimilada pelos restantes, com a naturalidade da respiração.
O público parecia absorto. Os aplausos nem sempre surgiram após solos de cortar a respiração, algo não muito habitual em concertos destes. Mas perante o espectáculo com que se depararam, tornou-se completamente irrelevante.
Do disco mais recente Blues and Ballads (Nonesuch, 2016), apenas uma versão, em ritmo cha-cha-cha, do clássico dos Beatles “And I Love Her”. As restantes músicas mais reconhecíveis ficaram para o inevitável encore: o standard “Love For Sale” e uma das mais paradigmáticas da carreira de Mehldau – “Riverman”, de Nick Drake, fechando o concerto de forma sublime.

Os músicos mostraram-se descontraídos, como se em alongamentos para um exercício, tornando fácil essa arte enigmática do improviso. Com uma precisão e generosidade admiráveis, todos conhecem telepaticamente o seu lugar na engrenagem de cada composição, sem atropelos ou derivas para territórios sónicos demasiado inóspitos.
A plateia foi mantida ligeiramente iluminada, como se o trio sentisse necessidade de ler as expressões para saber o caminho a seguir. Ballard raramente olhou a bateria, fixando o olhar no público, baquetas livres para o caminho ditado pela inspiração. Grenadier usou e abusou dos glissandos, percorrendo toda a escala do contrabaixo com a fluidez de uma guitarra ou um piano.
Mehldau chega a levar a sua atitude zen ao extremo. A certa altura, virou-se para os companheiros (o trio organiza-se numa meia concha bem concentrada) e, assumindo a posição de lótus, manteve a base rítmica e melódica com a sua mão esquerda, sem qualquer deslize, libertando as proezas técnicas de contrabaixo e bateria. Sorriso sereno, como se possuísse o segredo da existência.
Impossível é encontrar alguma falha nesta demonstração tão cabal de talento, irmamente repartido e partilhado. Um som único, a três, como uma voz multitonal. Dinâmicas e silêncios habilmente geridos, para que qualquer ruído extra seja quase um insulto.
Jazz clássico sem o odor a bafio de tantos congéneres. Simples e directo, porém poético e aventuroso.
Um passeio retemperador pelo melhor hoje se faz neste estilo, cuja morte anunciada nunca será confirmada.
Mehldau é um sábio mestre em diálogo constante. Consigo e com o trio, com a linguagem exclusiva dos priveligiados, capazes de a escutar e reproduzir.
Felizes os presentes para testemunhar a conversa.
Venha o próximo.

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