O espectáculo By Heart de Tiago Rodrigues, estreado em 2013, regressou ao Teatro Nacional D. Maria II para uma única apresentação no âmbito do Festival Antena 2.
Ao chegarmos ao teatro, antecipa-se uma casa cheia, realidade rapidamente confirmada. Logo depois de entrarmos na sala Garrett, avistamos um palco minimalista, absolutamente minimalista: fundo negro, chão branco. Tiago Rodrigues lê num banco sentado no centro do palco, ladeado por dez cadeiras, todas diferentes entre si, e à sua frente foram colocadas algumas caixas de frutas com livros. Os holofotes, claros, fixos, destacam esta composição, pelo que se denota a capacidade de Magda Bizarro, responsável pela cenografia, adereços e figurino em criar um ambiente casual, que ao mesmo tempo desperta a curiosidade do espectador e inspira conforto.
Depois das pancadas de Molière, as instruções são claras: (i) o espectáculo começará quando as dez cadeiras estiverem preenchidas por membros da plateia; e (ii) a peça terminará apenas quando os dez bravos voluntários conseguirem decorar em conjunto um poema. A tarefa não é difícil, mas também não será fácil…
Enquanto Tiago Rodrigues lidera a “Secção do 30” (uma secção é uma unidade militar utilizada em Portugal, composta por cerca de 10 pessoas), na sua missão de conhecer um soneto para depois o recitar, de forma intercalada, consegue guiar a audiência a uma outra dimensão. Quem assiste ao espectáculo viaja pelo tempo e conhece um pouco mais sobre William Shakespeare, Ray Bradbury, George Steiner, Joseph Brodsky, Boris Pasternak, Vasco Graça Moura e tantos outros ilustres escritores.
Entre histórias e memórias relembramos também adivinhas tradicionais, que despertam em nós a lembrança das coisas que passaram e que se transmitiam oralmente de geração em geração.
Paralelamente, somos mais do que uma vez conduzidos a casa da Sr.ª Cândida, a avó de Tiago, o que nos permite estabelecer uma ponte com as nossas próprias origens, sendo que, para todos os efeitos, na Saga de Cândida radica o que se passa em palco e o desejo semeado para o futuro. É ilustração da esperança e lança verdadeiramente o mote para os espectadores.
O guião prevê momentos de improvisação que, com mestria, Tiago Rodrigues utiliza para envolver a sala com apontamentos cómicos. No entanto, não seria justo reduzir esta apresentação a um espectáculo de improviso. Tiago Rodrigues reproduz, palavra por palavra, textos dos mestres de outrora, citando-os regularmente, e não se perde na sua, apenas aparente, louca errância. A sua prestação é consistente e ritmada e permite-nos sonhar com os pés bem assentes na terra.
Disse Tiago, canalizando Steiner, que não existe melhor homenagem a um poema do que aprendê-lo de coração, decorá-lo. E é com essa vontade que ficamos no fim do serão: de escolher um texto, formar um grupo e juntarmo-nos à Resistência.
A sala Garrett foi assim, mais que uma sala de espectáculo, uma sala de aulas. Tiago Rodrigues, para além de ter confirmado ser um exímio contador de histórias, convidou-nos a incorporar os textos que lemos no dia-a-dia, a vivê-los e a acolhê-los plenamente, a nutrirmo-nos das palavras neles semeadas para depois deixarmos florescer novas ideias.
By heart não foi o que esperávamos, foi melhor.
By heart é um feixe de luz que combate a Treva.
By heart é uma experiência memorável.
“Fim de citação”.
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