Segundo álbum do pianista escocês Fergus McCreadie, Cairn (inglês para moledo ou moledro, um conjunto de pedras amontoado em forma piramidal, com vários usos ao longo da história, como marcos geográficos, de orietação nos trilhos ou mesmo homenagem fúnebre e ritualista/religiosa) é um disco em que encontramos o som europeu no seu esplendor, mas também uma voz escocesa, por via das alusões directas ou mais enviesadas música tradicional gaélica ou céltica.
Em nove temas, em formato de trio tradicional (piano, David Bowden no contrabaixo e Stephen Henderson na bateria), claramente virado para o ritmo, a vivacidade e versatilidade deste grupo de amigos, que se conhece desde o conservatório, é evidente e distintivo da grande quantidade de jazz que nos chega, mesmo em tempos pandémicos. Qualquer que seja a toada adoptada, entre o introspectivo, o veloz e intrépido, a sensação é a mesma: a presença de algo iniciático, já não promissor (o álbum de estreia, aos 21 anos – Turas, que podem ouvir e comprar AQUI) mas antes certo e em construção, ou melhor, elevação.
A vontade de quebra, aliada na perfeição aos padrões tímbricos célticos e à contemporaneidade das suas composições, surge destacada em “Jig”, a meio do álbum, altura em que a música descola para não mais pousar, com a improvisação a impor-se logo após a melodia-base com raízes bem notórias, para um todo que dá o mote para o restante disco.
A irrequietude da infância surge em “Tree Climbing”, evocando o buliço das brincadeiras no ritmo do piano e as vozes entusiasmadas e canções repetidas em uníssono presentes na melodia que povoa o tema. Os paralelos com o saudoso trio de Esbjörn Svensson ou mesmo com os Bad Plus originais são uma tentação e têm sido repetidos por críticos reputados, mas apesar de elogiosos pelas carreiras e registos discográficos destes grupos, são redutores para um jovem músico em início de carreira, com ídolos como os inevitáveis Keith Jarrett e Bill Evans (bem presentes no lirismo e solidez que empresta aos temas mais suaves, como “An Old Friend” e a faixa de abertura “North”, uma escolha desconcertante), mas também Chick Corea e Oscar Peterson.
Na música de Fergus McCreadie são perceptíveis grandes ambições. A hábil gestão de silêncios e espaços amplos, no alinhamento e em cada faixa, que traz consigo das majestosas paisagens escocesas, conjugada com a fricção emocionante e mais cosmopolita entre técnica exemplar, requinte das escolhas melódicas (ouça-se o tema título e “Across Flatlands” para confirmar) e a pura libertação que só uma batida poderosa oferece, deixa adivinhar uma carreira cujo único rumo é o mesmo para onde aponta o Cairn do título: o céu. Para ouvir e repetir, sem moderação.
Foto © Dave Stapleton
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