home Didascálias, TEATRO Canto da Europa – TNDMII, 25/1/2019

Canto da Europa – TNDMII, 25/1/2019

Uma rapariga irlandesa tenta entrar no Parlamento Europeu, um arranha-céus neutro na zona de negócios de uma cidade chamada Europa. É de imediato interrompida por seguranças que lhe indicam que a flor que traz consigo tem de ser colocada na máquina de raio-X. “Para quê?”, “Porquê?”, pergunta-se insistentemente, como se alguma resposta com sentido pudesse ser realmente dada. Estamos numa cidade chamada Europa, dizíamos, criação literária de Jacinto Lucas Pires, cuja encenação, também por si dirigida, esteve em cena na Sala Estúdio do Teatro Nacional D. Maria II. Uma cidade é um espaço para estarmos juntos e esse foi o projeto em que se empenharam os doze atores deste Canto da Europa em forma de coro. Dessa cidade temos uma fotografia de vinte e quatro horas, uma fotografia mutante, que se assemelha a uma colagem de fragmentos e histórias que nos vão sendo narradas e desenroladas, que ora avançam ora recuam, de forma fluida e emaranhada.
Nesta cidade há um apelo à imaginação e uma recusa das imagens previsíveis ou imediatas. Há notícias que ensombram o dia: o terrorismo, a segurança, a imigração, os conflitos. Mas o dia passa-se através da vida da sua gente. Um homem procura uma filha. Uma mulher bebe chá numa esplanada e responde a emails que lhe dão náuseas. Uma paixão improvável desenrola-se entre duas mulheres no meio de uma aventura de pára-quedas. Um homem é posto na rua, antes de conseguir os papéis. Um outro, que vive na cela 12 do Estabelecimento Prisional da Europa, acaba por constatar que a sua esperança esbarrou na “conversinha” de um advogado oficioso, “puto ranhoso de gravata”, que com belas palavras lhe explicou que o futuro é que vai ser risonho. Há quem tenha problemas de vocação, quem queira aprender a ser avó. Gente apaixonada e desapaixonada. É este coro de histórias e vidas que faz o mosaico desta cidade
Para Jacinto Lucas Pires, a peça procura confrontar-nos com uma crise que afeta tanto a política como o teatro: a “crise do estarmos juntos”. Tem razão quando nos diz que precisamos de imaginar mais, contrariando o imediatismo do soundbite e de uma cidadania autista agarrada ao smartphone. No entanto, por mais meritório que seja o intuito, há um certo conservadorismo na forma como se entende o papel das novas tecnologias e dos seus usos contemporâneos. Não será esta vontade salvífica de suprimir a distância entre intelectuais e alienados, entre livros e ecrãs (palavras minhas), o que cria e cristaliza essa mesma distância?
Seja como for, a encenação é um interessante desafio à imaginação, procurando contrariar formas de comunicação que são meros simulacros. Despojado de adereços, símbolos e bengalas, o texto foi-nos apresentado apelando a um exercício imaginativo. Só que não basta “despir” a encenação para que haja imaginação. Esta forma-se quando há uma empatia a ser construída, com confronto, com desafio, com envolvimento e diálogo com o público. É preciso um sentido de “estar-se lá”. Este Canto da Europa, quando as luzes se apagam, acaba por ser muito mais uma leitura bem encenada de um texto literariamente interessante, do que um exercício de imaginação individual e coletiva que pudesse usar o teatro como um instrumento de trabalho.
A peça acaba e ficamos a meio caminho: sem o exercício lento da imaginação que a literatura proporciona (até porque o texto é demasiado acelerado para que tal possa ocorrer), nem um exercício de criação teatral completo, onde somos confrontados com imagens imprevisíveis em torno objetos improváveis. Neste sentido, não podemos deixar de constatar que, apesar de ter sido um momento bem passado, faltou ali qualquer coisa.

Ficha Técnica:

texto e encenação: Jacinto Lucas Pires
com Anabela Faustino, André Simões, Carolina Passos-Sousa, Diana Lara, Isaías Viveiro, Ivo Alexandre, Joana Pialgata, José Neves, Lúcia Maria, Paula Diogo, Paula Mora, Pedro Moldão
cenografia e figurinos: Sara Amado
desenho de luz: Nuno Meira
produção executiva: Margarida de Lopes Grilo, Tiago da Câmara Pereira
coprodução: TNDM II, Ninguém, Cine-Teatro Louletano, Teatro Aveirense
apoio à produção: Convento São Francisco de Coimbra

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