Saíram a correr, os nossos amigos. Compromissos familiares, difíceis. Não se mostraram muito preocupados por deixar-nos a sós, apesar de nos terem apresentado apenas umas horas antes. Na verdade, nenhum de nós pareceu incomodado com essa súbita intimidade. Dois quase-desconhecidos, inesperadamente sozinhos e frente a frente, à mesa daquele restaurante vazio e fétido.
Sugeri bebermos um copo num bar ali ao lado, aceitaste prontamente. Falámos sobre o teu trabalho, a tua vida – eu, como sempre, evitei falar sobre a minha. A conversa fluiu, o álcool talvez tenha ajudado. Estava agitada, naquela noite (como seria difícil explicar-te o motivo). Talvez te tenha interrompido alguma vez, orientado o diálogo a partir das minhas perguntas, concentrado a conversa em ti. É curioso como consigo dominar uma interacção colocando o outro ao centro.
A segunda bebida já veio a mais; aos primeiros goles, o estômago começou a dar sinais de rejeição. Desde que deixei de fumar, o corpo passou a ter mais voz; ou melhor, eu passei a ouvi-lo com mais atenção. Levantámo-nos pouco depois, a pedido do empregado. O bar ia fechar, e o segundo daiquiri ficou quase intacto na mesa. Já tu, terminaste num trago o teu segundo whiskey.
Descemos aos Aliados, subimos em direcção à Praça de Carlos Alberto. Aqui, sugeriste tomarmos outra bebida – apesar de saberes perfeitamente que não havia mais espaços abertos àquela hora. Aproximávamo-nos de tua casa e eu acariciava-te as costas e a nuca, enquanto caminhávamos. E tu voltavas a lamentar não podermos beber mais um copo. “Só se for um copo de água!” – dizia-te eu, enquanto reforçava o facto de estar já um pouco alcoolizada. “Tens água em casa?” – perguntei-te, divertida. Imediatamente, paraste de caminhar e agarraste-me pela cintura, sorriste-me, beijaste-me. Como se apenas esperasses um sinal meu para avançar em segurança, sem o risco da rejeição. Beijámo-nos, sorridentes e divertidos. Ficaste tão contente… os teus olhos brilhavam. Abraçaste-me carinhosamente e levaste-me até tua casa.
É certo que bebemos água, mas a sede era outra. Não demorei a despir-te a camisola e pousar a mão no teu peito nu, enquanto te apressavas a informar-me das tuas cicatrizes. “Para não te assustares.” – disseste-me. Desenhei-as com a ponta dos dedos, beijei-tas. Desabotoaste-me a camisa, delicadamente. Podias tê-la tirado rapidamente, pela cabeça, mas optaste por desabotoar pacientemente cada botão, pequenino, devagar. E abrir a camisa, fazê-la deslizar suavemente pelos meus ombros, desapertar-me o soutien. Tudo enquanto me sorrias, ternamente. E foi também delicadamente que me perguntaste se me podias tocar, antes de me acariciares a vulva molhada e ma lamberes docemente.
Mas eu estava tão agitada naquela noite (como seria difícil explicar-te o motivo). Interrompi-te, ansiosa por te retribuir o gesto, sem a serenidade necessária para receber o teu. E foi também brevemente que to saboreei. Desculpa, a excitação e o álcool não me permitiram esquecer a logística do preservativo, que efectivamente também não tinhas. Atrapalho-me, atrapalhamo-nos, frustro-me. Arriscamos. Acabo em cima de ti a acariciar-te o pénis com a minha vulva escorregadia, engulo-to. Vens-te em segundos.
Beijo-te, abraço-te, e começamos talvez a falar línguas diferentes. Enquanto te acaricio e tento falar sobre o assunto, tu pareces desvalorizá-lo, negá-lo mesmo. Claro, talvez não exista como tal, talvez não seja recorrente. Mas a tua dificuldade em abordar o tema diz-me o contrário. Falas-me sobre a indecisão dos homens, respondo-te com as minhas próprias frustrações relativas ao teu género. O que queríamos afinal dizer um ao outro e não conseguimos? Tento reconstruir a conversa e descobrir as intenções, mas parece que as palavras ficaram diluídas no vinho do jantar, no whiskey, no rum.
Acabas por lamentar que tenha sido uma má queca para mim, mas quando te sugiro que me acaricies e me conduzas ao orgasmo, escusas-te. Afinal, não é o meu prazer que procuras entre a gentileza aparente dos gestos mansos. Nesse teatro de sentimentos, que finges no palco e na vida, interessa-te apenas o aplauso, a admiração da mulher. Aquela que te viu sem máscara não merece mais a tua representação.
Perturbado e distante, reages de forma fria à minha proposta de pernoitar ali mesmo, ao teu lado. E, efectivamente, parece-te indiferente a minha presença; passas a noite agarrado a uma almofada, a gemer, mesmo quando durante o sonho chamas por mim e pedes para me aproximar de ti. Estou aqui, David. Estou aqui, atrás de ti, abraçada a ti; a acariciar-te a nuca, as costas, as nádegas, enquanto tu te enrolas nessa almofada inanimada e perdes a oportunidade do meu calor, do meu afecto, da minha presença. A almofada está aí todas as noites, eu apenas nesta. Agarra-te a mim, nesta noite só, tão só.
Agarra-te a mim, porque também eu preciso deste afecto, desta gentileza, deste cuidado que coloco sobre nós e dá sentido a este encontro, dá sentido a todos os encontros. Não foi afinal para nos sentirmos desejados, e talvez amados, que prolongámos a noite naquele bar, que me beijaste e subi contigo até aqui? Abraça-me e diz-me o que sentes; ou diz-mo amanhã ou depois, quando houver mais tempo, quando tiveres coragem, quando compreenderes que a tua frustração, a tua tristeza ou a tua culpa não podem apagar os meus sentimentos, aqueles que também eu tenho e que por vezes também não me cabem no peito. Considera-me, e não será necessário o meu despeito, a tua evasão, a minha indignação, a tua sobranceria. A minha raiva. Considera-me, e poderemos então lembrar esta noite como um momento de intimidade, de carinho e de respeito. A lembrança de uma boa queca.
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