Ler Miguel Loureiro é estar diante do paradoxo do actor. Esse oxímoro, que a escrita deste actor só espevita, pode resumir-se num dístico de Morrissey/Marr: «But still I’d rather be famous/ Than righteous or holy». O que mais nos empolga é que ML despreza paradoxos, dualidades, escolhas. Ele quer ser as duas coisas: famoso e sagrado, brilhante e honrado. E é-o. As dicotomias podiam continuar até ao infinito – mas ML e os seus textos menosprezam e calcam mesmo aos pés qualquer maniqueísmo, diga-se de novo. Algumas apenas, então: justo e impiedoso, caridoso e cruel, devoto e profano, terno e colérico, sisudo e faceto, conservador e subversivo, realista e sarcástico. Também o que ML escreve respira essa contradição que parece um paladar apetecido a quem está por trás do texto. Diário? Reflexões? Apontamento quotidano? Crónica? Aforismo? Sim e nada disso. Tudo e o contrário do que se poderia pensar. Porque ML é pop e erudito, gregário e anti-social, expõe-se e vai os lugares mais à sombra para estar à vontade. Daí que compareçam, não lado a lado, mas em posição menos previsível: super-mercados devidamente identificados, músicos altamente cotados e sujeitos ao vilipêndio saboreado de ML, as modas e as tendências, do pequeníssimo ecrã a todas as telas e aos palcos. E o Barreiro.
Nunca saberemos – aqui pede-se humildade: este leitor nunca saberá – se, em ML, a escrita decorre da condição de actor e se é daí que surge a multiplicação de personae, ou se as palavras são autónomas, e a personalidade do autor tende, de qualquer maneira, para estas formas de contradição brilhante. Porque é de brilho que se trata.
«O maior desgosto para um misantropo como eu é que estes fogos só levem a naturália, reflexo e maravilha da bondade do Criador, e deixe de pé os abortos arquitectónicos construídos pelo homem, e há tanto por queimar nesse Portugal fora.»
«Cultura, a Sina do Zero.»
«Acabei de ver agora a temporada completa do Exorcista com a Geena Davis toda arreganhada a colagénio e botox. Que actrizaça gótica e inexpressiva, que caricatura magnífica. Agora sim, antes não me interessava.»
«Como todos, também eu tenho uma certa ambição: a santidade, acima de tudo; se não conseguir, então um caminho de rectidão; se também isso não for possível, então apenas uma alma boa. É este o meu plano.»
«Sou contra quase tudo o que há. Não sei porque insistiu a natueza que eu nascesse.»
«Hoje acordei todo arrebentado psicologicamente. Preciso de uma banana do Lidl com cocaína, de fumar um opiáceo, de pôr um vinil da Ana Malhoa para ver se arrebito.»
«O filme Cinema Paraíso é como os livros da Elena Ferrante ou Errante ou lá o que é. Consensuais, edificantes, bonzinhos e salvíficos. Odeio. Prefiro a série Batanetes toda seguida na RTP Memória.»
«Uma morte gloriosa seria cair-me um carrilhão de Mafra em cima. Duplamente abençado, por D. João V, o meu monarca favorito, a seguir a D. Miguel, e pela Santa Madre Igreja. Vou tentar passar em Mafra mais vezes.»
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