O Teatro Meridional comemora 25 anos. Em janeiro de 2017 iniciou a reposição de seis espetáculos, nos quais se incluem O Sr. Ibrahim e as flores do corão, de Éric-Emmanuel Schmitt (que contou com a presença da INTRO) e este Contos em Viagem – Cabo Verde, que parte de textos de vários autores caboverdianos.
O registo intimista de sempre: um ator, um músico.
O espetáculo inicia, em jeito de prece, em crioulo:
“Pái nôsse q’ta na Céu, da lí dêss tchôn, bençoai ess’spectáculo…”.
No entanto, as cores quentes, a luz ocre e laranja dos candeeiros, os grãos que escorriam na peneira, a sonoridade que nos acompanharia ao longo do espetáculo, da forma menos convencional, levando-nos do bulício dos mercados à parábola contada pelo avô, tudo nos dizia onde estávamos, a que lugar tínhamos chegado, que ilha percorríamos, que terra pisávamos de pés descalços.
Depois foi entrar na imensa espiral, no frenesim sincopado, no ritmo vertiginoso, intenso, de riso, esgar, dança, no calor do corpo e no corpo, na música, entre mornas, coladeira e funaná, ao ritmo da seleção de textos da Natália Luíza, textos cosidos, com perfeição, com agulha para malha larga, para fazer cachecóis, em lã grossa e colorida.
E sempre o corpo, intenso, presente da Carla Galvão a ser o que se quiser…
A encenação de Miguel Seabra merece também o aplauso, longo, de pé, a fazer ressaltar a interpretação que amarra o público e que sabe que os silêncios, as pausas no momento certo, são a chave que abre a porta para a ligação emocional.
O trabalho de ator, de que o Meridional tanto se orgulha é, não só o pretexto, como o busílis do espetáculo.
Até parece fácil render-nos na expectativa. Fernando Mota é o músico, que canta, fala, ri, brinca com todo adereços que multiplicam sons e palavras; é o cúmplice, o parceiro do deleite e companheira na viagem para a qual fomos arrastados sem parcimónias, nem tempo para hesitações.
E insistimos na interpretação da Carla Galvão, em que todo o corpo fala, em que cada expressão emociona, em que nos rendemos a cada palavra por tudo o que tem dentro.
Cantam a lua, cantam a saudade, que o público, a pedido, acompanha e parecem entregar-nos uma saudade que não é nossa, mesmo quando nos falam de um país que não conhecemos.
E as múltiplas personagens interpretadas estão ali, aos nossos olhos e mostram quanto um ator pode encher um palco.
A peça termina com um repto “vem, vem, vem”. E como a repetição, esse eco de pensamento, tão valioso em teatro, parece dizer-nos que não podemos recusar descobrir Cabo Verde.
(Mal podemos esperar pela estreia do espetáculo comemorativo dos 25 anos do Meridional).
Para mais crítica de Teatro, leiam AQUI.
Joana Neto, por defeito profissional, escreve de acordo com o novo desacordo ortográfico.