O maestro Zakir Hussain, virtuoso percussionista indiano, disse um dia que a dádiva dos Estados Unidos da América ao mundo é o Jazz. Para celebrar essa dádiva, não antevemos nada mais especial que um encontro entre duas tradições musicais que, apesar da distância no globo, são marcadas por fortes raízes na improvisação: a música clássica indiana e o Jazz ocidental. Na génese da afinidade entre o Jazz e a música indiana está o trabalho de Ravi Shankar, conhecido do grande público pelas colaborações com George Harrison, o mítico guitarrista dos “Fab Four”. Em 1962, Ravi Shankar mostrou ao mundo o álbum Improvisations, onde conta com as preciosas colaborações do contrabaixista Gary Peacock (que tem lugar cativo no trio do pianista Keith Jarrett) e do flautista Bud Shank, demonstrando que a ligação entre as duas tradições musicais não é mera utopia. Mais de cinco décadas volvidas, esta comunhão permanece intocável e o Crosscurrents Trio de Zakir Hussain, Dave Holland e Chris Potter transportou até ao Funchal esse sentimento.
Recebido de braços abertos por uma plateia entusiasta, o trio viajou por temas de todos os membros: Dave Holland ofereceu “Lucky Seven“, Chris Potter escolheu “Island Feeling” e “Hope” do seu catálogo; Zakir Hussain dedicou ao seu irmão de armas, John McLaughlin, o tema “J Bhai” (Bhai significa precisamente “irmão” em hindi). Pensar em Zakir Hussain é também pensar em John McLaughlin e no grupo Shakti. A preciosa ligação de Hussain e McLaughlin está igualmente patente no álbum Making Music (ECM, 1987), no qual também colaboraram Jan Garbarek e Hariprasad Chaurasia.
Ao longo do concerto, Zakir Hussain inspirou a noite com o som cósmico provindo das indianas tabla, tendo ainda confessado que, dadas as ligações entre a sua pátria e a nossa, unidas pelo mar, se sentia na sua segunda casa. Dave Holland, sempre sorridente, legou todo o seu virtuosismo em improvisações constantes só ao alcance dos mais prodigiosos. Já Chris Potter, aparentando uma certa timidez na forma de estar, mostrou porque é considerado um dos melhores saxofonistas da actualidade. Potter ostenta aquela infalível fórmula de agarrar o público em cada solo, ora com frases mais curtas que ornamentam sofisticadamente a melodia do tema, ora com as imaginativas e imaculadas improvisações que desafiam a velocidade da luz.
A simbiose de Hussain, Holland e Potter provou-nos, uma vez mais, que a música não conhece fronteiras. Afinal, a linguagem é a mesma…
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