No I Festival Eufémia apresentou-se Detrás Del Telón (Demonstração de Trabalho) da pedagoga, encenadora e actriz Ana Woolf, co-fundadora e directora artística do projecto Magdalena 2a Geração, Rede Latino-Americana de Mulheres nas Artes Contemporâneas, ligado ao Magdalena Project. Ana foi aluna de Julia Varney e desde 1998 desenvolve o seu trabalho em vários países europeus, sendo colaboradora internacional do Teatro Odin, onde trabalhou como directora assistente de Eugenio Barbas em três projectos internacionais. Em 2011, voltou para a Argentina, seu país de origem, para expandir o seu trabalho por toda a América latina, ensinando no ISTA (International School of Theatre Anthropology) dirigido por E. Barbas.
Ana Woolf desenvolveu uma formação especifica “a presença cénica do corpo/voz” baseada em técnicas orientais (com forte influência do Método Suzuki) e ritmos latino americanos, a partir da qual oferece workshops em todo o mundo. Ana também é autora de numerosos artigos que reflectem sobre teatro e mulheres na Arte.
Detrás Del Telón (ou Por Trás da Cortina) é uma reflexão performática sobre o que é trabalhar em teatro. Trata do trabalho quotidiano e continuo das actrizes e actores, desde o momento da sua preparação para um espectáculo até à presença em palco, o que passa por aspectos como a formação técnica e o trabalho psicológico envolvido nesse processo para, finalmente, chegar ao derradeiro momento em cena.
Ana abre a sua demonstração trazendo vários pares de sapatos, que vai calçando à vez, pertença das diferentes personagens que com ela caminharam em palco. Estes sapatos lembram-na de onde vem, desde “há muito tempo”, e interrogam-na para onde quer ir. Numa diversificada apresentação de alguns fragmentos de peças onde participou, Ana Woolf embarca numa reflexão sobre percursos de aprendizagem e experiência que, ponderando também momentos de ausência, encara a possibilidade de “talvez não ter de ir-se a nenhum lugar e só estar aqui”. Porque, “talvez o teatro nos permita pôr sapatinhos novos nas nossas ausências.”
O momento da representação deixa de ser visto como terra prometida mas antes como o simples acto de se ser e estar naquela situação, que aparece como o momento mais consciente de uma caminhada. O acto de representar passa a ser um acto de consciência da presença: sem exageros, sem emoções desmedidas, na coerência do gesto e da voz, na justa medida da consciência calma e plena e na integridade interior. Tudo que havia a entender, até aquele momento traduz-se numa transparência focada. Quem lá está é a personagem inteira com a sua história, o seu gesto próprio, que não é o gesto meramente pessoal, mas o daquela actriz.
Antes do texto, mesmo antes da palavra, vem a força anímica, a energia do momento daquela persona, mesmo que a actriz tivesse transpirado todo um caminho até chegar ali, diante de nós. Somos convidados a levantar questões como a de como se chega ali, àquele palco, àquela personagem e que momento derradeiro é aquele.
Ana Woolf mostra-nos a Técnica como instrumento e a Arte como forma de andarmos armados. De que forma nos armamos para essa batalha interior e exterior de confronto com os nossos papeis? Ana recorda Stanislavski: “O que quero?/O que necessito?/O que se impõe?”. E “o que é o espontâneo?” pergunta. A dada altura, um indício de resposta “Eu cantei porque não estava a contar que tinha de cantar, senão não tinha conseguido.”. Neste sentido, andar armado é saber que pode aceder-se, num ápice, aos recursos aprendidos, em absoluta presença de espírito.
“Como podia fazer para entregar o meu corpo e empregar a minha energia e todas as minhas emoções?” Entregar e empregar são verbos de acção. O que fazer para devolver ao público alguma coisa cheia de energia, sentido e significado? Ana Woolf resolve dizendo que “Ritmo é a palavra-chave” e que “o Teatro Dança traz-nos o fluxo (…). Temos a considerar a potência da voz e a do corpo. Tem de haver uma organicidade entre acção física e mental.”.“Com Júlia aprendi o mundo maravilhoso da ação física e vocal juntas…Ter de pegar num pão e dizer um texto.”. “Não copiar mas reproduzir no palco as tensões das ações da vida diária.” “Também há toda uma acção/reacção sem a intervenção do pensamento.”
Neste momento da demonstração de Ana Woolf compreendemos e aceitamos que é necessária toda uma disciplina para a representação/interpretação. Afinal são tantos os princípios e técnicas de preparação que fizeram o percurso desta mulher do teatro que, incessantemente, ia referindo os seus mestres e mestras, as suas dificuldades, percalços e contínuos desafios. Mas há um encanto, que Ana Woolf possuí, muito para além de qualquer princípio ou método, que a distingue dos demais, que a levou a dizer, no final da sua apresentação, que “o tempo e o trabalho [a] ajudam a lembrar que, no início de tudo, está o jogo.”
O início de tudo não é o Verbo, é o Jogo. Ana Woolf demonstrou-o na perfeita coerência do gesto e da palavra.
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Ficha Técnica
Encenação e Dramaturgia: Julia Varley (Odin Teatret – DN)
Interpretação e Texto: Ana Woolf (AR-DN)
Cenografia: Elías Leguizamón (AR)
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