home Didascálias, TEATRO Entrevista com Luís Moreira (filho do meio)

Entrevista com Luís Moreira (filho do meio)

Luís Moreira recebeu-me de braços abertos no Teatro do Bairro para uma entrevista que decorreu como uma sessão free jazz: sem gravação, perguntas preparadas ou marcações, ao sabor da espontaneidade e à vontade para descobrir tudo o que sempre quis saber sobre Hamlet e nunca tive coragem de perguntar. Com apenas 31 anos (trinta e um) anos, Luís está despojado, de ego humildado e é provavelmente dos encenadores mais jovens a levar a cena este Hamlet para todos.
Para quebrar o gelo, que já por si só era muito pouco, falamos do sucesso notório da peça, já na sua terceira semana. Sendo a primeira tragédia na sequência de seis peças de Shakespeare a apresentar (três comédias de Shakespeare já foram anteriormente apresentadas pelo grupo filho do meio, este Hamlet é produto de um encenador ousado e corajoso, com 10 anos de repertório como actor, encenador e com formação de base em Psicologia. Ao longo de uma hora e um quarto, partilhámos amenamente processos criativos, memórias, balanços, visões sobre o teatro em Portugal, no Reino Unido, perspectivas de encenação e/ou direcção de actores que, no caso deste “Hamlet unplugged”, Luís acabou por me confidenciar ter-se cingido praticamente à direcção de actores. Revelaram-se curiosidades, nomeadamente que a filho do meio nasceu de uma vontade atroz, inevitável e natural de um grupo de amigos em perfeito alinhamento alquímico fazer algo seu.
Enquanto encenador, Luís revela-se flexível e afável, mas igualmente disciplinador, com uma regra de ouro para o trabalho em equipa, e expulsão imediata em caso de desrespeito: a coexistência em equipa sem bullying. Funciona numa lógica de laissez-faire, dando muita liberdade à equipa, mas sempre presente, de forma invisível, observando a grande panorâmica de cena e personagens, uma espécie de mão impercetível. Por conseguinte, a importância de trabalhar com jovens talentos, verdadeiras fontes de potencial a florescer, é premente para o jovem encenador. “Têm claramente menos vícios”, afirma. A ideia é dar-lhes marcações e estrutura, mas em simultâneo, permitir-lhes igualmente “borrar a pintura”. Por vezes torna-se interessante ver a reacção naïf de muitos. Da sabedoria de actores mais experientes (por exemplo, Rita Loureiro) e da entreajuda nasce o verdadeiro trabalho de equipa. Já o papel de Hamlet, “apesar de não haver encomendas no Filho do Meio” assenta que nem uma luva em Luís Lobão.
Também como actor talentoso (frequentou inclusivamente a ACT) que é, sofreu na pele a dificuldade que é ser aceite no seio familiar. A precariedade do sector é chocante e, na realidade, ser actor é cada vez mais para “quem pode e não para quem quer”, havendo inúmeras injustiças, disparidades e iniquidades. Desta forma, o curso de Psicologia serviu de garantia e segurança, mas Luís admitiu-me que aos 20 (vinte) anos de idade não tinha maturidade suficiente para interferir num processo terapêutico sem a devida bagagem prévia.
E Shakespeare? Qual o background deste encenador destemido, mas na realidade, certamente bastante moderado ou não representasse e desse ele a cara, logo no início de Hamlet, com um discurso vindo do coração, em colocação de voz generosa, piscando o olho à comédia e ao sorriso fácil? Guildhall Drama Summer School foi o seu quartel-general em Londres, onde se embrenhou em Shakespeare. Mais adepto das comédias, está constantemente no fio da navalha e gosta de arriscar, mas com conta, peso e medida. É adepto de riscos calculados, a ponto de revelar que a cena mais emocionante e a favorita do público – a ponto de o levar às lágrimas – é a sequência de dança aquando da loucura que se apodera de Hamlet, precisamente a que mais planeamento e dedicação envolveu, implicando tempos, medições e marcações bastante exigentes e surgiu de improviso no corredor do seu apartamento em Lisboa.
Luís foi destapando o véu relativamente ao seu processo criativo para a “mise en scène”: viagens, séries, música que o tocam e que depois redimensiona e/ou readapta ao contexto. Falamos de Filipe La Féria e da envergadura das suas produções, do seu sistema dito de “reciclagem” e auto-sustentação que, independentemente potenciais críticas, se mostra uma forma de teatro de revista para o grande público e gerador de receitas, em modo grande produção.
Agradecido à progressiva generosidade de António Pires – anfitrião do Teatro do Bairro – Luís referiu ainda a possibilidade de uma digressão de “Hamlet”, que, por agora, passará por Ponte de Lima. Questionado sobre qual teria sido o mais importante espectador deste “Hamlet”, Luís referiu o público dito anónimo, que o levou ou acrescentou algo de novo à sua vida.
Em jeito de desenlace, Luís Moreira identificou-se, de forma complementar, com a ideia de que o excesso de intelectualidade poderá constituir entrave no veicular de palavras e sentimentos, referindo que, em certos meios académicos e teatrais mais clássicos, existe uma cisão preocupante entre mente e corpo, conduzindo a eventuais “aberrações” e a necessidades pouco pragmáticas de erudição, que afastam Shakespeare do público, desumanizando o teatro, perdendo-se a (com)paixão na arte.
Se restavam dúvidas, elas foram desfeitas: Luís é definitivamente um bom rebelde. Um autêntico Filho do Meio!

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