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Entrevista com o escritor Manuel Vilas

Jornalista cultural (El País, Cadena Ser, El Mundo, por exemplo), ensaísta, poeta, romancista, Manuel Vilas (n. 1962) contraria o estereótipo do espanhol de sangue quente. Calmo, ponderado e empático, criou uma das obras maiores da literatura espanhola de 2018, com “Em Tudo Havia Beleza”, um livro duro, belo, íntimo e quase confessional, em que disseca as duas existências que mais o marcaram: os seus pais. Concedeu-nos esta entrevista, em que tentamos descortinar as suas motivações e ensejos.

Revista Intro: Como nasceu este livro?
Manuel Vilas: Comecei a escrevê-lo em Maio de 2014, depois da morte da minha mãe. Estava a viver uma situação que conto no livro, e a morte da minha mãe despertou-me a ideia do livro. É um livro sobre o meu pai e a minha mãe. É uma recordação, uma memória da vida deles, porque já se foram deste Mundo.

R.I.: Quanto tempo demorou a escrevê-lo?
M.V.: Três anos, quase quatro.

R.I.: Foi uma necessidade para si ou uma mera homenagem aos seus pais?
M.V.: Ambos. Uma necessidade minha, homenagem e também uma maneira de recordar a vida. Ainda és muito jovem, mas a partir dos 50 anos, os seres humanos têm necessidade de fazer balanços, pensar no que se passou, e como aconteceu. É um livro escrito desde esses 50 anos, em que queres saber como foi a tua vida. Com 30 ou 40 anos não tens essa necessidade.

R.I.: Como é que os seus familiares reagiram ao livro?
M.V.: Na verdade é um livro sobre os mortos. Todas as personagens morreram. Penso que, no geral, todos gostaram. Alguns menos… Há sempre um exercício íntimo, de impudor, pelo que há sempre quem não goste. Mas ainda não houve nenhum processo judicial (risos)

R.I.: O Manuel disse que era um livro sobre a vida, mas a verdade é que todos as personagens estão mortas. Como lida com a forma que temos de encarar a morte? Não apenas a dos nossos entes queridos, mas enquanto desconhecido, nada?
M.V.: A Morte é incompreensível. Todos se vão. A literatura sempre serviu para conhecer o que é a Morte. A Morte está na mente dos vivos, os mortos não sabem que estão mortos. Nós, os vivos, é que pensamos neles.

R.I.: Isso torna a nossa vida…
M.V.: …um mistério. A Vida é um mistério porque termina. Uma das funções da literatura é recordar-nos que há um mistério atávico, sem solução. Temos telemóveis, tecnologia, viagens , Internet, etc, etc. Mas o mistério é o mesmo: vida e morte.

R.I.: Acha que estes aparelhos, estas novidades são distracções?
M.V.: São divertimentos, mas o mistério mantém-se. O ser humano actual está muito distraído: tecnologia, economia, trabalho, a globalização, muitas viagens… Parecem ocorrer muitas coisas, mas a mais importante é que estás a morrer. Este livro relembra isso. E creio que a literatura tem essa função de recordar…

R.I.: …a condição humana.
M.V.: A condição humana. Nas grandes lojas, Zara, Primark, Tudo está organizado para que esqueças a tua condição humana.

R.I.: E a literatura tem essa função de recentrar.
M.V.: A literatura relembra-te que és um ser humano, que és mortal, que tens um pai e uma mãe que viste morrer, que tu próprio morrerás. Tem o poder de recordar o atávico no ser humano, o atavismo da vida e da morte. Quando um ser humano se dá conta que a sua vida vai acabar, pode encontrar nisso beleza. Há algo de belo no facto de sermos mortais. Recordar os teus pais também é um acto de beleza.

R.I.: De que modo é que a escrita deste livro moldou a forma como encara a família, os laços de sangue? Ou seja, será que é tudo mais aceitável, mais fácil porque o sangue comum fala mais alto?
M.V.: Há dor, mas é uma dor que já cicatrizou, curou-se. O que sobra no final é muito amor e muita nostalgia…

R.I.: Saudade.
M.V.: Saudade. Muita saudade. É um livro de saudade.

R.I.: Porque incluiu fotografias no livro? Foi uma inspiração ou uma expiação?
M.V.: A fotografia é muito forte, os álbuns familiares. Roland Barthes, filósofo francês, dizia que o tema da fotografia é a morte. Quando vês uma foto do teu pai quando jovem, o teu coração reage, impressiona muito. As fotografias familiares são impressionantes. A fotografia é uma arte poderosa, devido à sua capacidade evocativa. É uma imagem. Por exemplo, o teu pai com 25 anos. Vês um ser humano e quebra-te o coração por isso, pela sua força expressiva.

R.I.: Ajuda a recordar com mais força.
M.V.: Isso.

R.I.: Escreveu uma frase que diz “Todo o homem acaba, mais dia menos dia, por enfrentar a insignificância da sua M.V.: passagem pelo Mundo. Há seres humanos capazes de o suportar.” O Manuel é capaz?
M.V.: Não. Todos nos damos conta de que em dia desapareceremos, e creio que ninguém o aceita. Não sou capaz.

R.I.: E como lida com isso? A escrita ajuda?
M.V.: Sim, claro. Escrever ajuda a suportar isso.

R.I.: E ajuda os outros também.
M.V.: Também. Porque lêem e quando o fazem também pensam.

R.I.: Depois de escrever um livro como este, como se regressa à escrita? Está a escrever alguma coisa agora?
M.V.: Estou a escrever a continuação deste livro. Estou a descrever como é o meu presente.

R.I.: Portanto, continuar numa linha pessoal e autobiográfica.
M.V.: Sim.

R.I.: Foi estranho ter o reconhecimento da crítica com um livro tão pessoal como este?
M.V.: Foi…

R.I.: Esperava uma crítica tão favorável?
M.V.: Em Espanha foi muito boa. É o meu primeiro livro em Portugal e as críticas têm sido muito boas, assim como em Itália. Estou muito contente.

R.I.: Como é que a crítica interfere consigo e com o seu trabalho? Dá-lhe importância?
M.V.: Sei que há escritores que negam, mas comigo sim. Uma crítica feita por alguém com conhecimentos, que saiba de literatura, é importante. Leio-a e valorizo-a.

R.I.: Quando o Manuel escreve este livro, parece de alguma forma resignado,conformado com a sua mortalidade, mas não senti uma ansiedade de aproveitar a vida, que alguns livros transmitem. Faria sentido, perante a finitude, querermos realizar já os nossos sonhos, mas não passa essa ideia. O que pensa desta ansiedade constante em sermos muito felizes, vivermos tudo?
M.V.: Eu acredito mais na serenidade e na beleza.

R.I.: E há uma dose de aceitação nisso.
M.V.: Sim, aceitar e procurar a beleza. Não o carpe diem. Beleza. Guardar a beleza do teu passado.

R.I.: No fundo, procurar significado.
M.V.: Exactamente.

R.I.: Se não fosse escritor, o que gostaria de ter sido?
M.V.: Músico. Adoro música. Amália Rodrigues. O “Barco Negro” da Amália Rodrigues.

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