home Antologia, LITERATURA Uma Faca Nos Dentes e Outros Textos- António José Forte (Antígona, 2017)

Uma Faca Nos Dentes e Outros Textos- António José Forte (Antígona, 2017)

A revolução é um momento, o revolucionário, todos os momentos

José António Forte (1931-1988) foi um dos escritores do célebre grupo do Café Gelo (a que esta edição “aumentada” de Uma Faca Nos Dentes – o título completo inclui ainda E Outros Textos – pela Antígona dedica um capítulo, com escritos do próprio sobre este movimento) que optou por passar das palavras e convicções aos actos.

Militante da ideia do poeta como agente permanente da revolução (ou da revolução permanente), trabalhou durante décadas como encarregado das Bibliotecas Itenerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, fazendo chegar os livros e a cultura, na sua Citroen, aos locais mais recônditos do Portugal esganado e faminto que Salazar espezinhava, experiência que descreve no “Capítulo «Gulbenkian»”.

Dono de uma voz poética imediatamente reconhecível, o poder da imagética e simbolismo que reproduz em cada composição é único (a rosa omnipresente, a revolução latente, a decomposição/decadência inevitável de corpos e ideais, a “flor na boca” da pureza), associado a fortes ritmos aliterativos, emulando urgência e até raiva e impaciência perante o constante adiamento do cumprimento da(s) promessa(s) sucessivas de um futuro radioso.

Independente nas suas convicções políticas publicamente expressas (embora com claras simpatias de esquerda, particularmente pelo situacionismo de Débord e seus discípulos), a sua escrita directa e confrontacional revela o extremo incómodo e desdém que nutre face aos interesses instalados, à esquerda e à direita em igual medida, como podemos confirmar em “Desobediência Civil” (“os devoradores de cultura podem sair pela esquerda alta (…) porque a língua portuguesa não é a minha pátria. A minha pátria não se escreve com as letras da palavra pátria”) e no hilariante e certeiro “Teses Sobre a Visita do Papa”, de 1982 (“O Estado que te submete é republicano e reverencia a Igreja, o Partido em que militas é marxista e felicita o papa, o Sindicato onde estás inscrito é revolucionário e saúda a reacção”), incluído na secção Outros Textos, contendo escritos dispersos publicados (ou por publicar, como neste caso) em jornais e revistas.

O Amor e a Revolta, os seus temas mais queridos, são os freios e contrapesos que conferem à sua poética uma imanência muita característica, pejada de símbolos, jogos de linguagem (a sua vertente mais surrealista também se manifesta) e borbulhante com uma fúria de viver e fazer a vida contar. Sem cedências, cada sílaba projecta a sua tão amada liberdade, sempre de “flor na boca” e sem quaisquer pretensões de reconhecimento ou louvor.

Escreve debruçado sobre o pulsar do imediato, de cabeça bem erguida e campo de visão desimpedido, com os olhos na utopia e um pessimismo melancólico, onde as verdades definitivas, que só a verdadeira poesia permite legitimar, não deixam de assomar, recordando-nos que antes do cinismo e da metáfora meramente decorativa, está algo que nos une e supera, um elo universal, a “inteligência fundamental do mundo” de que fala Herberto na “Nota Inútil” que abre o livro.

Numa das suas mais afamadas frases, constatava “Há (…) gente que nunca escreveu uma linha que fez mais pela palavra do que toda uma geração de escritores.” Herberto Helder, permite-se discordar com elegância, complementando-o e cumprimentando-o: “Mas foi porventura necessário escrevê-lo para ser mais verdadeiro”.

Em boa hora António José Forte o fez e a Antígona o lembrou para, com a ajuda de Gisela Forte, nos presentear com esta edição indispensável.

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