A Feist que sobe ao palco do Theatro Circo parece mais madura do que das últimas vezes em que passou por cá, algo corroborado quando explica que “I’m Not Running Away” é a sua aceitação pelo facto de estar a envelhecer. A face parece mais dura, a postura mais confiante, as notas da guitarra ainda mais certeiras. Mesmo assim, Feist revela uma energia contagiante em palco e faz do concerto uma espécie de conversa intercalada com músicas que atravessam toda a sua carreira, numa espécie de diário intimista em estilo de best of. Músicas como a sensual “My Moon, My Man” ou o sombrio “Limit to Your Love” parecem ter envelhecido bastante bem e são recebidas de forma entusiasmada pelo público que vibra com qualquer acorde de guitarra emitido ou palavra dita em palco.
Como se pode adivinhar pela pele bronzeada da cantora, Feist (ou melhor, a voz em português com sotaque brasileiro que sai do seu iPhone) explica que passou duas semanas a acampar na costa portuguesa, enquanto nadava, bebia e comia doces e “pastéis de peixe” (a ineficiência do Google Translate é bem conhecida, principalmente no que toca a expressões particulares de cada país, como é o caso aqui dos “pastéis de bacalhau”). O aparelho, que se assemelha a um boneco de ventríloquo, servirá para Feist esbater a barreira linguística, a única que potencialmente a separava do público do belíssimo Theatro Circo, sala que tem vindo a receber alguns dos eventos mais importantes da zona norte do país, contribuindo para uma muito necessária descentralização da oferta cultural do nosso país. Feist parece ser aclamada pelo público mesmo antes de entrar em palco. Em 2008, no Coliseu do Porto, Feist mostrou ser muito mais do que uma one hit wonder e o concerto marcou pela sua energia, proximidade com o público e pela parte cénica, proporcionada por uma artista que ilustrava sob uma mesa de luz as letras das músicas que iam sendo cantadas. Voltou mais tarde para um concerto também no Coliseu do Porto, em 2012, desta vez para apresentar aquele que é, a nosso ver, o álbum mais coeso e sólido da cantora, Metals. Como era exigido pela complexidade musical do álbum, Feist trouxe consigo as Mountain Men, um trio de raparigas com vozes cheias de sol e folk, assim como uma banda que mostrou ser uma máquina bem oleada, num concerto poderoso, marcado pela presença dos tais metais do álbum. Em Pleasure, Feist voltou à guitarra acústica e assumiu a postura das “cantautoras” das décadas de 60 e 70. É desta forma, uma mulher e uma guitarra, que Feist sobe ao palco do Theatro Circo, e prova, assim que se lança ao potente “The Bad in Each Other” de que não precisa do apoio de uma banda, pelo menos por agora; esta entrará mais tarde, durante essa canção de embalar que é a doce “Gatekeeper” e é formada por quatro rapazes que se revezam na bateria, violino, baixo e teclas, enquanto funcionam também como coro. Antes ainda de cantar, Feist usa o tal telemóvel para explicar que “pegou algo em Paris” e que passou os últimos dois dias doente e que acordou sem voz. No entanto, assim que começa a cantar a sua voz mostra-se fragilizada mas nunca fraca, e já no final do concerto, lança-se aos floreados que lhe são tão característicos sem nenhuma falha aparente. Talvez pelo cariz intimista e minimalista do último álbum, no palco não existem projeções de desenhos nem flocos de neve de papel recortado, como aconteceu em 2008, ou um trio de raparigas da montanha e uma banda com muitos músicos, artifícios que talvez tivessem disfarçado a voz cansada da cantora. No entanto, a simbiose mulher e guitarra prova ser mágica e encantatória e entramos na festa que Feist faz, cantamos com ela, dançamos quando esta nos convida a fazer um slow à antiga durante a melancólica “Let it Die” e ainda berramos como se estivéssemos num rock club, quando Feist pede que contrairemos o espírito bem comportado, típico de um teatro com imponentes cadeiras de veludo vermelho; em “I Feel it All”, é impossível resistir ao impulso de nos levantarmos e dançarmos.
Em hinos naive como “Mushaboom”, Feist lembra-nos que apesar de estar a envelhecer com o público, ainda consegue recuperar músicas antigas e conferir-lhes alguma jovialidade; afinal, qual de nós não sonha com o desejo universal de encontrar alguém “to stick it out/ and make a home from a rented house/ and we’ll collect the moments one by one/ I guess that’s how the future is done”?
Feist lembra Joni Mitchell e o Big Sur soalheiro, Cat Power e as dores do coração ou Jeff Buckley e os concertos deste no Sin-é, sozinho com uma guitarra que toca de forma virtuosa, também ele fã de Nina Simone. Apesar das possíveis comparações, Feist destaca-se das demais (e muitas) cantoras folk e indie que agora dominam a cena musical, pela voz límpida de timbre particular e distinto, pela destreza como guitarrista e ainda pela energia em palco e a relação que estabelece com o público, contagiado pela alegria que a cantora parece sentir enquanto canta. Ninguém quer ir embora, e mesmo Feist, que tosse de vez em quando e parece verdadeiramente surpreendida pelo fôlego que ainda lhe resta para cantar mais uma música, volta ao palco para receber uma chuva de aplausos de olhos fechados e cabeça levantada e para um curto encore em que, qual maestro, atribui a cada uma das plateias do Theatro Circo um diferente tipo de trauteio e é assim que este concerto-festa termina, com um coro vivo e as barreiras entre palco e público completamente destruídas através da música e simpatia desta bela cantora (e guitarrista) que quando nos conforta, conforta mesmo.
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