home LP, MÚSICA Fetch the Bolt Cutters – Fiona Apple (Epic, 2020)

Fetch the Bolt Cutters – Fiona Apple (Epic, 2020)

Nesta estranha época em que o espaço se fechou e o tempo é líquido como num Dali, porquê correr atrás da novidade como se ela se dissolvesse no momento seguinte? Se há luxo que este “novo normal” permitiu aos privilegiados de que faço parte, é o tempo para pensar e escrever coisas aparentemente inúteis e fátuas como esta. Por isso tomei o meu tempo, ouvi com atenção, ri-me com as pitchforks, balencianos e frotas desta vida a anunciarem a última coca-cola do deserto, como se a Fiona Apple fosse recém-nascida ou só por eles conhecida, e alinhavei o que se segue.
A indústria musical parou exactamente na altura em que temos mais tempo para uma atenção impossível no PQ (pré-Qovid-19), o que não deixa de ser sintomático e revelador da razão exacta da sua obsolescência irreversível: o facto de viver numa realidade paralela, desligada de quem consome música. E mais uma vez, quando mais precisamos dela, deixou nos na mão…
O álbum Fetch the Bolt Cutters saiu por insistência de Fiona Apple e apresenta-a como sempre foi, com uma voz em que os anos que conta são audíveis e as letras continuam a reinar sobre a música, fazendo da mensagem o meio e não o inverso, o que logo à partida a destaca do resto. Por outro lado, o ostracismo a que foi votada (e, verdade seja dita, também provocou e manteve) traz verdade a cada berro e murro na mesa aqui partilhado, às imperfeições e ruídos de fundo guardados para contar a história que acompanha. A gravação e a produção são caseiras e pessoais, o que aproxima ainda mais o disco do ouvinte, agora que a casa é o Mundo e a cabeça o universo.
Será este o álbum do ano? Provavelmente. Mas nunca consensual. Como todo o acto de verdadeira liberdade artística, é auto-centrado, repetitivo, cacofónico e indulgente, incompreensível à primeira, sem uma pesquisa no telemóvel pelos mesmos que se deleitam entre escolhas de algoritmos. Pede imobilidade, atenção, resistência à tentação de continuar… Como todo o grande amor ou toda a Mulher que vale a pena ouvir e ter por perto, como toda a vida em que o dia seguinte se aguarda com impaciência.
Se isto não é Arte, o que é Arte afinal?

P.S.: para um maior detalhe sobre cada faixa do álbum, encontram o testemunho da própria Fiona Apple AQUI

Foto © Zelda Hallman

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