home INTRO(missão) Fui eu, quem é que havia de ser?

Fui eu, quem é que havia de ser?

Gosto da “Valsa das Flores” de Tchaikosvky, encoraja-me a navegar num mundo onde os algoritmos decidem por mim. Tenho uma ligeira obsessão pelo classicismo, embora a religiosidade de Bach me toque o coração. Quero pensar que, à semelhança de Piotr Ilyich, também doaria o meu crânio à Royal Shakespeare Company para ser usado em “Hamlet”. Sim, a “alta cultura” faz parte de nós.

Em contrapartida, quando referimos a “baixa cultura” não nos lembramos do artesanato nem sabemos quem é Rosa Ramalho ou o figurado de Barcelos. Achamos que é a arte urbana que é pobre mas Vhils é tudo menos pobre. Quando é que o dinheiro é limpo o bastante? No fundo, o networking é mais importante para o novo espírito do capitalismo do que a cultura em si.

Estava Rosa na sua banca, numa feira em Paranhos (Porto), quando lhe perguntaram: “Quem fez esta peça e como é que a fez?” Rosa respondeu: “Fui eu, quem é que havia de ser e com as mãos, como é que havia de ser?” Se o algoritmo sabe o que queremos antes de nós, que espécie de curadores somos ao confiar cegamente nas suas sugestões? Onde está a honestidade?

Ainda temos confiança na informação, investimos na imagem e somos apenas trabalhadores cognitivos que manipulam compilações. Longe da raiz da palavra curadoria – cura ou cuidado, por mais “Valsas de Flores” e Rosas que cuidem do negócio da alma com leveza. Um feliz dois mil e vinte e quatro.

                                                                                           

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Rafaela Jacinto é artista, ativista e queer desobediente do teatro e da escrita. “A música está na minha cabeça” é o seu terceiro livro, depois de “Regime” (2020) e “Fiz uma coisa má” (2021), ambos editados pela Douda Correria. Nasceu em 1994, licenciou-se em Teatro pela Escola Superior de Teatro e Cinema (2016) e é especialista em História e Cultura das Religiões pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (2019). Estudou ainda Cinema Documental e trabalhou na última década com os realizadores Joaquim Pinto e Nuno Leonel.

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