“Galpgate: Costa aceita exoneração de três secretários de Estado e um membro do seu gabinete. E prepara remodelação mais ampla, mas sem substituição de ministros. Galp diz que ‘até ao momento’ não foi constituída arguida.” O subtítulo é de uma notícia de 9 de julho do jornal Público, que dá conta da vontade dos próprios secretários de estado e do assessor do PM, de quererem constituir-se arguidos no caso que remonta a viagens pagas pela Galp a deputados, autarcas, assessores ou diretores-gerais da administração pública, entre outros, para irem a França assistir a jogos da seleção portuguesa durante o Campeonato Europeu de Futebol de 2016. No que respeita às exonerações no governo, e à discussão mediática testemunhada no verão sobre a legalidade deste tipo de operação, este livro de Susana Coroado, doutoranda em Política Comparada e investigadora da Associação Cívica Transparência e Integridade (TIAC), adiantou-se à polémica.
Na verdade, é precisamente por esse caso que o livro principia: “No verão de 2016, a energética portuguesa ofereceu ao país uma lição sobre estratégias de influências e um mapa sobre as instituições e os actores-chave que importa contactar para influenciar tomadas de decisão públicas e políticas.” A Galp ofereceu uma lição e Susana Coroado, como releva do subtítulo do livro, pretende fazer o mesmo: “como se influenciam as decisões em Portugal”. Neste sentido, este é um livro didático, elucidando aquilo que não é óbvio para o público geral, nomeadamente a importância do lobbying na democracia e a sua parte integrante da forma como as instituições políticas funcionam. O prefácio, assinado pelo presidente da TIAC, explica-o: “Numa sociedade democrática, as partes interessadas manifestam os seus interesses e pontos de vista junto do legislador, dos decisores e dos organismos responsáveis pela sua implementação ou em alguns casos são convidados a discutir com os primeiros determinado tipo de programas, numa relação de parceria”. Esta parceria, em teoria, permite “aos políticos e altos cargos públicos inteirarem-se de problemas e de soluções em diferentes domínios, elevando a qualidade, responsividade e eficácia dos processos, como também evita que os interesses e ambições de um determinado grupo se sobreponham aos demais.” São os moldes desta “parceria” que acionam alarmes na opinião pública, de cada vez que surge um caso relacionado com falta de transparência na atividade do lobista. Este ou esta tem como papel assegurar que o lado decisor oiça as suas propostas e ideias, mas não que estas serão necessariamente levadas adiante “contra qualquer tipo de pagamento ou vantagem”.
Coroado explica, ao longo do livro, a necessidade de uma regulamentação à americana, não existente na Europa, e a confusão entre lóbi e tráfico de influências em Portugal, em que o que define um e outro é constantemente confundido conforme a conveniência, altercando legalidade e ilegalidade num contexto em que o lobbying não é regulamentado. O caráter quase secreto do lóbi em Portugal é aqui desmontado, através da descrição dos canais, agentes e do lóbi informal. As relações entre poderosas sociedades de advogados e os deputados do Parlamento, os jogos de golfe e os jantares em que amizades são travadas, ou ainda formas menos visíveis, como o lobbying 2.0, são aqui apresentadas de forma concisa, recorrendo a factos concretos. Às exonerações do governo durante o último verão, juntemos aqui, como exemplos mediáticos e aqui clarificados, os casos de ex-ministros, que a autora qualifica de “a melhor profissão de Portugal”, como o de Maria Luís Albuquerque, ex-ministra das Finanças, portanto com acesso privilegiado a toda a banca portuguesa, agora diretora executiva da Arrow Global, empresa especializada em gestão de dívidas; ou de Paulo Portas, consultor da construtora Mota-Engil e, entre outros cargos, vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria de Portugal; ou ainda, o caso mais duvidoso, o de Durão Barroso, ex-Presidente da Comissão Europeia, e agora presidente não executivo da Goldman Sachs e conselheiro da Goldman Sachs para o processo do Brexit.
Voltemo-nos para a atualidade mais recente, em que este “O grande lóbi” convoca mais uma vez a sua pertinência: no capítulo dedicado à sociedade civil, aborda-se o lóbi do eucalipto. É simultaneamente um subcapítulo desatualizado, já que a referência inicial é aos incêndios de 2016, que foram “tenebrosos”. O que dizer agora, sabendo que em 2017 todos os limites foram ultrapassados? Os dados são claros na manifesta unanimidade irresponsável dos agentes políticos portugueses, de várias legislaturas: “(…) em 2013, o Governo PSD-CDS aprovou o regime jurídico a que estão sujeitas, no território continental, as acções de arborização e rearborização com recurso a espécies florestais, que também ficou conhecido como a Lei da liberalização do Eucalipto (…). A iniciativa legislativa gerou uma enorme polémica, com vários especialistas, grupos ambientalistas, partidos políticos e até bombeiros a levantarem-se contra a medida. Em vão.” Três anos depois, nova configuração parlamentar: “Decorrente de um acordo entre o Partido Socialista e Os Verdes, o governo comprometeu-se a revogar a dita lei (…). A 19 de janeiro de 2016, o ministro da Agricultura assegurou no Parlamento que, em três semanas, tal promessa estaria concluída.” Susana Coroado ouve todos os lados: a Semapa, grupo industrial poderoso da indústria do papel e da pasta, pronunciou-se, à altura, de forma ameaçadora: enquanto houvesse instabilidade governativa relativa a este tema, “não haveria mais investimento em Portugal”.
Este livro convoca ações, discursos, corporativismos, que fariam dele um poderoso romance literário, uma crónica de costumes sobre o espírito do nosso tempo. Não é. Não há ficção, há serviço público neste livro: estatísticas, tabelas, gráficos, extensa bibliografia sobre o lóbi. Não seremos todos melhores cidadãos se conhecermos o que há para além das parangonas ocas da comunicação social que temos?
Por defeito profissional, Luis Pimenta Lopes escreve de acordo com o novo desacordo ortográfico.
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