A premissa de O Grande Tratado da Encenação é simples: três jovens reunidos no seu local de eleição – o sótão – debatem sobre expectativas, futuro e presente, inventam formas de dar vazão à ânsia de “revolução” que os une. A julgar por este intróito, nada de novo.
Pelo discurso e pelos trajes, vamos percebendo que a cena se passa em plena ditadura salazarista, adicionando assim outro simbolismo ao sonhos “subversivos” que se atrevem a formular em voz alta.
A tarefa a que se entregam, aparentemente fútil, mais não é do que um balanço do que ainda lhes chega e fascina, dos livros, discos e peças que furam o cerco em que vivem, fundamentos de opiniões, visões, tratados ensaiados e levados à prática, com as suas consequências apenas imaginadas.
Dos debates sobre tudo e nada, encenam uma sinédoque do Portugal que sonham liberto do silêncio forçado e adormecido na modorra fascista.
Do texto, por vezes propositadamente mera torrente de citações (projecções filosóficas e literárias de outras realidades), outras nas pequenas teimas e obsessões de cada personagem, transparece afinal uma tristeza indisfarçável, que mascaram de verve, fanfarronice e exacerbado entusiasmo.
Partindo de “O Pequeno Tratado da Encenação”, livro seminal de António Pedro publicado em 1962, o Teatro e a Política são centrais no diálogo, e é a partir deles que as trocas de ideias se enredam.
Neste trio reúnem-se vidas suspensas, debatendo-se contra uma circunstância esmagadora com o pouco que ainda lhes resta: a amizade e a partilha, entre o estímulo intelectual mútuo e o devaneio idealista.
A cumplicidade e química entre o elenco, composto pela elegante Catarina Gomes, Sara Barros Leitão e Paulo Mota, seguram as insuficiências do texto, com alguns trechos dispensáveis, que acabam por retirar ritmo e tensão ao pulsar dramático.
Sara Barros Leitão, actriz em clara ascensão, destaca-se naturalmente. Para além de protagonizar a cena mais electrizante da peça, em que teoriza, emocionada, sobre o papel subversivo que deveria caber ao Teatro na sociedade, recuperando a visão de António Pedro, a sua presença e jovialidade, o cuidado e acerto com que se atira a cada palavra, são deliciosos para quem gosta de ver o Teatro bem tratado.
Um segredo bem guardado que não o será por muito mais tempo.
Em suma, os bons desempenhos do elenco contrastaram com um texto de que se esperava maior suporte por onde os seus talentos pudessem trepar.
Produção do Teatro Experimental do Porto (TEP), de que António Pedro foi um dos fundadores, O Grande Tratado da Encenação é a primeira peça de uma trilogia sobre a juventude e a História recente de Portugal. Depois de se focar nos anos fundadores do TEP (década de 50), passará em seguida pelos anos 70 e pela década de 90.