home Didascálias, TEATRO História Ilustrada do Teatro Português – TNDMII, 23/6/2019

História Ilustrada do Teatro Português – TNDMII, 23/6/2019

O Teatro Português tornou-se pessoa, e assim o público pôde conhecer de “viva voz” alguns dos seus segredos. Com a direcção de Martim Pedroso e texto de João Telmo, que participam também como actores, o papel principal desta História Ilustrada do Teatro Português foi desempenhado por Marina Albuquerque.

Marina Albuquerque personifica um teatro que gosta de pensar em si como um equívoco, mas também como uma inevitabilidade. Um teatro-pessoa, que é uma entidade imaterial e abstracta, focada na semântica e preocupada com questões metafisicas. Que é insolente, caprichoso e extraordinário. Que é, cronologicamente, um objecto de discussão divergente. Que sofre uma crise existencial e, por vezes, dá-se conta que nem país tem. Que é uma coisa, temperamental, intermitente, irregular e inconsistente. Que não resiste a uma deliciosa “fofoca” e que, depois de um nascimento vicentino, se catapulta para a adolescência sem passar pela infância.

Partindo do nascimento do teatro português, a peça vem até aos dias de hoje: desde os bobos até à contemporaneidade (que proporciona, em cada época, a evolução da Arte), passando por alguns marcos temporais, como a criação do Teatro Nacional por Garrett ou a época de ouro da Grande Revista à Portuguesa que “meteu Portugal à gargalhada com a crítica social e a safadeza” (onde se evidencia a linha clara deixada pelo vernáculo vicentino).

Em concordância com a descrição de João Telmo, a peça é um “docudrama”, por ser uma espécie de documentário histórico, ou melhor, uma síntese comentada e, simultaneamente, uma exposição teatral dramática. Martim Pedroso diz que foi durante uma aula de Eugénia Vasques que lhe surgiu a ideia de um espectáculo sobre a História do Teatro Português. O exigente papel de Teatro, inicialmente pensado para esta, é excepcionalmente desempenhado por Marina Albuquerque, e aqui devemos notar que, não sendo a primeira vez que a actriz e o encenador se encontram no mesmo projecto, é evidente o resultado muito positivo desta relação.

De cariz experimental, o elenco de História mostrou-se à altura dos desafios inerentes a esta modalidade. No fundo, tem de tudo: altos e baixos, momentos dramáticos e cómicos, reais e imaginários, com música pelo meio, é crítica e elogio. A estes elementos, juntaram-se Ana Sampaio e Maia, Cleia Almeida e Paulo Duarte Ribeiro, que vestem diferentes papéis ao longo da peça com elevadíssimo profissionalismo.

Durante o enredo encontramos citações e episódios escritos por outros autores e revisitamos: “A Vizinha do Lado”, de André Brun, “O Fim”, de António Patrício, “Frei Luís de Sousa”, de Almeida Garrett, “Os Marginais e a Revolução”, de Bernardo Santareno, “Marinheiro”, de Fernando Pessoa, “Cinderela”, de Lígia Soares, “Os Lusíadas”, de Luís Vaz de Camões, “A Cidade Queimada”, de Mário Cesariny, “Terra Firme”, de Miguel Torga, “Em nome da paz”, de Natália Correia, e “Peça romântica para um teatro fechado”, de Tiago Rodrigues. No fundo, é apresentada à audiência uma história feita de muitas outras, que se emaranham e permitiram que o Teatro Nacional se fosse transformando até chegar ao nível que tem hoje.

Um dos objectivos de João Telmo era que esta peça e a personagem do Teatro agradasse a todos: às pessoas que conhecem o teatro nacional, que o vivem, e às que agora o conhecem, recorrendo a personagens e pessoas que marcaram a nossa história. Se por um lado se suscita saudade e nostalgia, por outro conhecemos alguns dos grandes vultos do passado. O trabalho desta equipa, celebra a diversidade do teatro nacional e cumpre os propósitos assumidos.

Os figurinos de Monica Lafayette acrescentam apontamentos de cor que complementam o cenário neutro de Sara Franqueira. Paralelamente, o desenho de luz de José Álvaro Correia compõe a ilustração, enquanto a música e sonoplastia de Carlos Morgado permitem uma harmoniosa gestão de cada fase da peça.

O espectáculo não pode nem deve ser julgado pelo seu rigor histórico, isto porque alguns factos (ou a discussão sobre estes) servem apenas para complementarem ficções e imaginação, crítica e criatividade de Martim Pedroso e de João Telmo. Esta subjectividade é indispensável, sob pena de nos restar um mero exercício de arquivística, distante do intuito do autor.

Somos relembrados que o Teatro é uma arte esquecida em Portugal e, com parcas excepções, continua a ser mal apoiada. Neste aspecto, destaca-se a vertente de sensibilização porque a mudança só será alcançável se os portugueses abraçarem e procurarem estes espectáculos. Os artistas (que “estão sempre mais unidos durante a Silly Season”), e os amantes das artes podem aproveitar este Verão para unir esforços e promoverem o facto que a única forma de o nosso teatro efectivamente fazer justiça aos seus mais de sete séculos de história é perpetuar a receita de sucesso que lhe deu origem: uma base de TALENTO e INSPIRAÇÃO, com GÉNIO, ARGÚCIA, RECONHECIMENTO em boa medida, e tudo polvilhado com CAPITAL. Tal como foi feito por esta História Ilustrada do Teatro Português.

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