home Antologia, LITERATURA Homens sem mulheres – Haruki Murakami (Casa das Letras, 2017)

Homens sem mulheres – Haruki Murakami (Casa das Letras, 2017)

Homens Sem Mulheres é um conjunto de contos escritos por Haruki Murakami entre 2013 e 2014. Publicado pela Casa das Letras, chegou a Portugal em Setembro de 2017.

O eixo comum deste conjunto é o que o próprio título indica: homens que não têm mulheres, solteiros, divorciados, viúvos, e que assim se fazem solitários. Já é habitual em Murakami deixar coisas por dizer, o que pode levar à frustração de quem quer ligar os pontos da constelação artística, e este Homens Sem Mulheres não foge à regra.

Apesar da condição de semelhança que as agrega, as histórias não se repetem, e as personagens também não. O que parece perpetrar por todo o livro, pese embora essa diferença de conteúdos, é uma penosa tendência para os clichés de que talvez Murakami se tenha apercebido e da qual não tenha conseguido livrar-se. Ao pôr uma personagem a dizer “Decididamente, não conseguia evitar as frases de efeito fácil.” fica difícil a quem lê esquecer o escritor que subjaz ao narrador e não encontrar ali uma declaração auto-referencial.

De forma a evitar-se demasiados spoilers ou até um texto demasiado extenso, serão aqui feitos comentários referentes apenas aos dois primeiros contos: “Drive My Car” e “Yesterday”.

No primeiro conto, Kafuru indaga sobre as razões pelas quais a mulher, já morta, o traía, acabando por conhecer o seu último amante. Os sentimentos de Kafuru estão expostos em descrições que descomprometem o autor em absoluto: Kafuru pergunta-se, depois inibe-se de querer respostas, razão pela qual, ao faltarem no texto, não fica exposto o vazio, no que é mais uma forma de Murakami não unir a constelação. Ao mesmo tempo, na prosa, faltará a secura capaz de levar ao impacto. Nos momentos em que Kafuru se encontra com o amante, a descrição tenta ser de tal forma lógica, o esforço para se entender a personagem é tanto, que não há espaço para o impacto emocional. No meio disto, uma chuva de clichés: “O que devemos fazer, em última análise, é chegar a acordo com o nosso coração e ser sinceros. Se quisermos conhecer realmente a outra pessoa, temos de nos conhecer a nós próprios.”; “Aquelas palavras pareciam ter saído de um lugar profundo e especial do homem que dava pelo nome de Takatsuki. Por um breve instante, abrira-se uma porta oculta, a fim de revelar a sua alma.” (p. 40).

Em “Yesterday”, Tanimura recorda uma história antiga de dois colegas que mantinham uma relação longa e em que faltava sexo. Um dia, o colega pede-lhe que saia a sós com a sua namorada, Erika. Tanimura acaba por concordar, descobre que a mulher trai Kitaru. Tanimura acaba por encontrar essa mulher dezasseis anos depois. A forma como a passagem do tempo é tratada faz com que se perca a confiança no enredo. Tanimura vira Erika duas vezes, reencontra-a com um interlúdio de dezasseis anos e a cena é tratada com um impacto que parece ignorar a capacidade de diluir do tempo. Encontram-se, fazem confidências, expõem medos, parecem os dois ter vivido dezasseis anos com incógnitas por um caso que na vida de nenhum significa alguma coisa: “Porque é que nunca mais me ligaste, Tanimura? Gostaria de ter conversado com calma.”, afirma ela. “Eras demasiado bonita para mim.”, responde (p. 80). E por que razão lhe faz ele perguntas? “Talvez porque isso sempre me tivesse intrigado, desde aquela altura.” Dezasseis anos passam pela vida de alguém sem que as memórias pereçam. É precisamente neste conto que Murakami escreve sobre a incapacidade de evitar frases de efeito fácil (p. 84). E realmente lá vêm elas, num rodopio de lugares-comuns: “Se calhar, é necessário passar por experiências dolorosas e por momentos difíceis quando somos jovens. Faz parte do processo de crescimento.”; “Acontece o mesmo com as árvores. Para se tornar forte e robusta, uma árvore tem forçosamente de resistir aos invernos rigorosos. Num clima quente e temperado, os anéis de crescimento correm o risco de não se formar.” (p. 69). São ideias que se emaranham tanto que se diluem, roubando-se o fulgor à narrativa. Até Murakami parece aperceber-se dos clichés, ao pôr em itálico o que de facto soa estranho: “Foi então que o meu ser se dividiu ao meio, por assim dizer – declarou Kitaru, separando as mãos justapostas./ Se dividiu ao meio?” (p.60).

O esforço de explicação é tanto que a prosa perde o potencial que o texto literário tem para surpreender e impactar.

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