Os melhores (e os mais raros) concertos mantêm-nos na ponta da cadeira, em pulgas para ouvir a nota seguinte, como se de uma final do Europeu de futebol se tratasse. Só o Jazz preserva essa magia e quando os músicos encarregues de o tocar são de excepção, o gozo é garantido. O concerto do novo projecto de João Hasselberg – Spectral Songs – no Passos Manuel prometia essa possibilidade, com o profissionalismo e cumplicidade dos músicos (Simon Olderskog Albertsen na bateria, Rūdolfs Macats nas teclas de um fabuloso Roland Juno-60, que nos fez ganhar a noite, e Jędrzej Łagodziński encarregue do sax) a evidenciar-se logo às primeiras notas. Amigos e colegas de estudo na Holanda, o respeito mútuo e a liberdade criativa foram a nota dominante do espectáculo, base essencial para uma noite memorável.
A proposta passava, logo à partida, pelo improviso mais puro e sem premissas, próximo do free jazz, a receita para o desastre se nas mãos erradas. Mas a empatia estabeleceu-se com grande fluência, paralela ao desenrolar do novelo dos fraseados e toadas. Entre o escrito e o criado in loco, com ruídos electrónicos impossíveis de identificar, qual nave espacial preparando uma abdução, e puxões fortes em cada instrumento, houve solos para todos os gostos, sempre avessos ao exibicionismo e generosos com público e companheiros de palco, sem necessidade de pedir permissão para entrar ou saír do carrossel em pantanas. Porque foi com diversão que fomos brindados, daquela que dispensa cicerones e prolegómenos, directa aos sentidos e rápida a raptar a nossa atenção, para resultar em pleno, como um momento eureka reiterado. O Juno 60 foi a arma secreta da noite, perfeito ponto de partida e veículo para os músicos darem largas à imaginação, e Rūdolfs divertiu-se e divertiu-nos com as infinitas possibilidades do instrumento e o seu bom gosto nas melodias. As poucas almas contempladas com este desempenho aplaudiam entusiásticas, tornando ainda mais incompreensível o facto de um projecto deste calibre não estar incluído num festival maior, como por exemplo, o Porta Jazz que decorre por estes dias.
Hasselberg despe a sua pele de natural frontman, um alívio que lhe permite soltar a mão para solos raros nas suas actuações e demonstrativas da uma técnica superior.
O jazz sempre fez parte da sua vida, inquilino da casa de família, que o contaminou, no piano de início, para depois passar ao baixo eléctrico oferecido pela irmã, porque o rock e o punk eram os gostos da altura. O contrabaixo, onde ficou e continua a crescer a cada novo trabalho, chegou mais tarde, com o estudo organizado da técnica e história do instrumento. A formação passou pela Holanda e por Copenhaga, essenciais para alargar horizontes e processos criativos, únicos e nem sempre coincidentes, porque também os pontos de partida despertam diferentes actos e inspirações. Songbird, que divide com o talentoso Luís Figueiredo, surgiu como uma homenagem ao jazz e à música portuguesa, rara e arredada desta linguagem musical, e as suas incursões no pop rock, na banda de Luísa Sobral e Tiago Bettencourt por exemplo, acabam por ser uma lufada de ar fresco, na forma como a música é encarada, com uma função bem distinta e definida, que lhe permite mudar de registo e ao mesmo tempo, diversificar experiências. Um músico cada vez mais completo e sem medo de arriscar, porque na criação os erros não existem.
O álbum do projecto Spectral Songs será gravado e lançado em 2018, e o seu mais pessoal O Origem do Universo, em que toca a solo com contrabaixo e computador está (para já) ainda em desenvolvimento. O futuro apresenta infinitas possibilidades para este músico de excelência e cá estaremos para acompanhá-lo e partilhar novos grandes momentos.
A digressão prossegue, com concertos agendados em Évora (Teatro Garcia de Resende – 7/12), Caldas da Rainha (Centro Cultural e Congressos das Caldas da Rainha – 8/12) e Hotclube de Portugal (Lisboa) no dia 9/12.
Vídeo © Camila Reis
Foto © João Duarte
Obrigado à Camila Reis, pela simpatia e cuidado.
Mais crítica musical AQUI
Foi um grande prazer mas algum embaraço…os músicos sabem porquê!