Kamasi Washington entra em palco meia hora atrasado, logo perdoado assim que o concerto finalmente começa. “Street Fighter Mas” marcou o início do que seria uma hora e meia grandiosa (épica, para nos referirmos ao primeiro álbum de Kamasi), em que os raros momentos de calma rapidamente davam lugar ao som cheio do saxofonista e dos seis músicos que o acompanharam. Kamasi é, ora um maestro, de punho levantado para indicar o final de uma música, ora espectador, como quando se senta para ver os dois bateristas em palco num diálogo frenético, ou quando cada músico tem o seu momento a solo.
Estar em palco é como estar em casa para os sete homens, cuja cumplicidade é traduzida na excelente prestação musical, mas também no ambiente muito bem disposto e cúmplice que se faz sentir. À vez, cada um observa o trabalho do outro, sorri, dança e oferece fist bumps no final de cada solo, como se não houvesse um público. Estamos a ver a jam session de uma família (mais do que apenas afetiva, já que o pai de Kamasi o acompanha na flauta transversal) em que cada elemento detém uma função crucial, como uma espécie de órgão vital para que este corpo estranho que é o jazz de Kamasi ganhe vida.
A segunda canção desenha uma paisagem brasileira: “Vi Sol, Vi Lua”, escrita por Kamasi para uma rapariga cuja língua ele não entendia, algo facilmente ultrapassado neste concerto, dada a pluralidade de linguagens em diálogo no palco. Há jazz, mas também funk e soul, algo consolidado em “Abraham”, a cargo de Miles Mosley, o homem do contrabaixo e que oferece a linha condutora desta música que ora soa a Stevie Wonder, ora a Jimi Hendrix, mas sempre muito particular. Se por vezes o jazz nos soa caótico ou demasiado cheio, na música de Kamasi cada instrumento encontra espaço para respirar individualmente e os solos, particularmente aqueles a cargo de Brandon Coleman nas teclas, e que deu ainda voz (literalmente) a várias músicas, é de uma força tremenda. Este concerto é, acima de tudo, uma experiência física: nossa, pois é impossível não dançar, mas também dos músicos, cujo cansaço físico, apesar de visível (já que o corpo é levado ao extremo), nunca se reflete na música.
Em “Truth”, uma celebração da diversidade, encontramos cinco melodias distintas, como linguagens que, sendo particulares, se aliam para o que é um dos momentos mais belos do concerto; estranhamente, tudo se conjuga. “The Space Travellers Lullaby” é um aquecimento, um coming down, uma melodia terna dedicada a todos os sonhadores. O suor da testa de Ryan Porter e a língua de fora depois do seu solo de trombone indica-nos que estamos perto do fim, e este surge na forma daquele que é um hino político à resistência e à justiça. “Fists of Fury” começa de forma contida e serena, o que apenas faz da sua apoteose um momento ainda mais poderoso, destino final desta viagem por paisagens sonoras de influências múltiplas e que solidificam o nome de Kamasi (e da sua banda) como figura crucial da música de hoje.
Foto © Ah!PHOTO
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