No Teatro Municipal Mirita Casimiro, com a encenação de Carlos Avilez, está em cena até dia 13 de Dezembro a peça Lulu, uma tragédia que reflecte sobre os temas da sedutora primazia da beleza feminina, da sua efemeridade, da coisificação da mulher, a obsessão, as perversidades e parafilias, a homossexualidade, o desencanto e o amor.
Assiste-se à peça num grande conforto apesar da sua duração. Três horas e quarente e cinco minutos de espectáculo, numa sala acolhedora e com cadeiras extremamente confortáveis. O palco está logo ali, ao nível do espectador da primeira fila, o que nos permite desfrutar com mais empolgamento o decorrer do espectáculo.
Espera-nos um texto feroz, brutal, que nos apresenta Lulu, as paixões e desejos que desperta, o poder que exerce através do seu corpo, da sua aparente infantilidade, do seu cru desprendimento e ao conhecimento das restantes personagens que, face ao incontornável magnetismo de Lulu, se tornam acessórias, apesar do protagonismo que esporadicamente a trama lhes empresta.
É fundamental destacar as extraordinárias encenação e cenografia, o simbolismo dos adereços e a riqueza do guarda-roupa, o inteligente desenho de luz e som que facultam a viagem do fausto à pobreza, da exultação à decadência, numa mudança rápida de cenários conseguida pela penumbra e pelo trabalho dos actores. No último acto é particularmente notável o design de dena, os catres, os farrapos, a luz toldada, tornando reais a miséria, a doença e a desgraça eminente.
Bárbara Branco de Pierrot, Elfo, ou Dama, enche o palco com uma presença bombástica, é criança sofrida e fêmme fatale, epicentro de todas as atenções, notável nos risos e no olhar, desprovida de emoções, escrúpulos, desconcertante, encantadora,fantástica! De resto, todo o elenco é merecedor de destaque mas, Dr. Schoning, pelo corpo de Elmano Sancho, colheu as nossas preferências. Referência ainda a Ruy de Carvalho, que nos enternece apesar da personagem breve e negra como Mr. Hopkins.
Surpreende, ainda, inevitavelmente, a actualidade de uma tragédia escrita originalmente em 1894, talvez porque a história da Humanidade se continue a centrar na avidez e no desejo, nas conquistas materiais e sexuais, nas pulsões, nos desejos que tornam cada um de nós mais ou menos patético, mais ou menos vulnerável. Porventura mais datada alguma da moral subjacente, a visão misógina e algo bíblica da mulher e o fim excessivamente clássico de tão trágico mas, por certo muito actual, uma inevitável conclusão: amor verdadeiro, talvez apenas o da Condessa Geschwitz.
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