home LP, MÚSICA Madonna – Coliseu dos Recreios, 12/01/2020

Madonna – Coliseu dos Recreios, 12/01/2020

“Os artistas estão cá para perturbar”. E no bom sentido. Numa noite sem telemóveis, lacrados em pequenas bolsas Yondr, Madonna ou direi antes a multifacetada Madame X, é uma agente secreta que viaja à volta do mundo camuflada, lutando pela liberdade, trazendo “a luz” aos sítios mais sombrios. Encarna várias personagens: uma instrutora de chachachá, uma professora, uma chefe de estado, uma dona de casa, uma equitadora, uma prisioneira, uma estudante, uma professora primária, uma freira, uma cantora de cabaret, uma santa e uma prostituta. Uma matriosca artística, sentido, significado e sensualidade, do alto dos seus 61 (sessenta e um) anos, uma perna lesionada, um sentido de humor corrosivo, uma humildade atroz (tem tanto de súbdita como de Rainha – da pop e do povo), fazendo-se acompanhar por uma entourage de excelência, incluindo os próprios filhos, da qual destaco até Lourdes Maria, filha primogénita, projectada em tela na tocante actuação de Frozen.
O Coliseu dos Recreios transformou-se num teatro a fazer lembrar o Club Silencio de Mulholland Drive em grande escala, com um enorme “X” projectado nas cortinas aveludadas e escarlate. Na primeira noite em Lisboa, em versão improvisada, um conjunto de músicos fez um pequeno warm up com uma versão inesquecível de “Like a Virgin” na frente de palco. Com cerca de meia-hora de atraso, Madonna pisava o palco lisboeta, local de nascimento de Madame X e morada de Madonna nos últimos três anos. Confessou ao longo da noite que se sentiu só e não tinha amigos, mas que foi descobrindo a cena musical portuguesa e se apaixonou completamente, nomeadamente pelo fado e encontrou a sua “ficha” (“plug”) Dino d’ Santiago, que a conectou a um mundo maravilhoso do qual jamais regressou. O concerto iniciou com “God Control” num verdadeiro momento profano-sagrado, lindíssimos cenários, de uma teatralidade exímia e com uma ideia sempre revolucionária de religiosidade, a que Madonna desde sempre nos habituou: a da individualidade e liberdade máximas, no sentido de um “religare” (tornar a ligar) das nossas entranhas para connosco mesmos.
Já vi vários espectáculos no mundo, sem deslumbramento e, provavelmente, este foi um dos melhores de sempre, talvez por ter sido tão genuíno, ter vindo de uma mulher (im)perfeita, Madonna ferida e com limitações que se desculpava, mas que se emocionava por “regressar” finalmente a “casa” nesta vida circular. Círculo absolutamente imperfeito. Estivemos lá para nos curarmos mutuamente, numa insanidade espelhada, num universo paralelo, quinta dimensão, chamem-lhe o que desejarem. Madonna é a última das verdadeiras feministas, M is for Madonna. M de Mulher.
Ao longo da noite, vários foram os momentos inesquecíveis, mas desde a necessidade de acordarmos, a continuarmos a sonhar, Madame X alertou para causas variadas: uma nova democracia, já que a que se vive está putrefacta, entre passos de dança inevitáveis. Madonna deu voz também às minorias, não olvidando a comunidade LGBTQI, as crianças e todos aqueles que sempre se encontram em situação desfavorecida. Madonna é uma sinédoque para os mais oprimidos.
A rainha da pop presenteou a audiência ainda com Mozart “a sair” da sua vagina, criticando Trump e o seu minúsculo pénis (com desconhecimento de causa obviamente), guerras fictícias, questões ambientais, etc. Joana d’Arc também esteve em espírito com “Dark Ballet”, princesa que a todos tudo deu e depois foi atraiçoada.
Madame X abriu-nos o seu próprio clube de fado e com o prodígio Gaspar Varela (guitarra portuguesa), neto de Celeste Rodrigues, cantou um fado em português na maior das comoções.
Um dos momentos mais altos e autênticos do espectáculo: a versão de “Sodade” de Cesária Évora, com Dino d’ Santiago, que também penetrou o inconsciente colectivo.
Se o espectáculo foi um hino a uma carreira recheada de êxitos, sendo o ex-libris este álbum “Madame X”, e a inspiração Portugal e, particularmente Lisboa, o clímax da celebração da liberdade chegou com as batucadeiras de Cabo Verde, as mornas e a celebração da herança cultural que restou dos tempos idos, dos momentos vividos em “liberdade” durante a escravidão.

Madonna, mais lúcida do que nunca, falou de história, sofisticada, consciente de um passado ditatorial, bacoco, mas também de uma herança cultural e potencial sem comparação. De um Portugal universal. Ao longo de quase três horas de concerto que vi uma Madonna imperfeita, mas por isso mesmo, humana, genial, uma autêntica curadora ferida. Madame X ergueu-se. Muito. E todos souberam a verdade quente numa noite fria que não foi real. Like a Prayer.

Alinhamento

Act I
God Control
Dark Ballet
Human Nature
Express Yourself (A cappella)
Papa Don’t Preach
(String Introduction)
Act II
Madame X Manifesto
(Video Introduction)
Vogue
I Don’t Search I Find
American Life
Act III
Coffin
(Video Interlude)
Batuka
Can’t Help Falling in Love (Elvis Presley cover) (A cappella)
Fado Pechincha (Isabel De Oliveira cover)
Killers Who Are Partying
Crazy
La Isla Bonita (With excerpts from “Welcome… more )
Sodade (Cesária Évora cover) (with Dino d’Santiago)
Medellín
Extreme Occident
Act IV
Rescue Me
(Dance Interlude)
Frozen
Come Alive
Future
Crave (Tracy Young Remix)
Like a Prayer
Encore:
I Rise

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