E se voar à Amazónia fosse viajar para dentro de uma espécie de paradoxo da tendência patente em todas as políticas mundiais para salvar o planeta?…Pelo menos nesta Amazónia que o encenador Jorge Andrade desenhou para a Mala Voadora, no seguimento de Moçambique.
“O plano é ir para a Amazónia gravar uma telenovela ecológica. O planeta precisa, as pessoas interessam-se, é ético, é urgente, vai ter audiências”, assim é descrito este eco-espectáculo verde e do futuro.
Num tom mais ou menos óbvio, mas indiscutivelmente bem humorado e carregado de ironia, as personagens expõem o esquema de poupança, invariavelmente seguido nas soluções ecológicas, sustentáveis e de economia circular, “reciclar aquilo que já existe” e “obedecer a princípios rigorosos de poupança de matéria prima”, tomando como medidas repetir cenas, reutilizar cenário e ideias de outras peças e autores, deixando claro que nada é novo… É ecológico.
O loop da criação ecofriendly também orienta a linha narrativa da peça, em que se misturam três histórias: a da própria novela, a do grupo de artistas e a longa história das façanhas e empreendimentos levados a cabo na Amazónia”, e acima da tudo, a fraude da sua criação, que é afinal apenas capa para fazer negócio.
Quase se vislumbra uma abordagem à colonização nestas intervenções ecológicas, em que, e à semelhança do passado, sem boas intenções, nunca o objetivo fora estar em círculo “a beber ayahuasca com os índios”, mas conseguir patrocinadores como Fundação Cartier ou a Monsanto, as tabaqueiras e petrolíferas e gigantes poluidores. O desfecho, que até foi discutido numa cimeira cuja utilidade se percebe ser nula, é idêntico, numa tentativa de redenção: destruída a própria Amazónia, resta alguma consciência na conclusão de que a exterminação voluntária da espécie humana é a melhor solução para diminuir o impacto sobre o planeta. Ou será que o planeta aguenta? Talvez sim. As pessoas talvez não…
https://www.youtube.com/watch?v=dVQ0ZlbJ-W8
Texto de Helena Antónia
Foto © Paulo Pimenta
Mais Teatro AQUI