home Didascálias, TEATRO Mariana Pineda – A Barraca, 17/11/2017

Mariana Pineda – A Barraca, 17/11/2017

Granada.

A liberdade almejada, bordada numa bandeira entre quatro paredes.

A opressão que se rasga.

O amor de uma mulher, tragicamente ferido e, no final, fatidicamente solitário, é o pretexto, o escape para a libertação, a sua força motriz.

Federico Garcia Lorca é um dos maiores poetas e dramaturgos espanhóis. Nascido em Granada, a Andaluzia é pano de fundo de obras emblemáticas como “A Casa de Bernarda Alba”, e não há como resistir a estabelecer alguns pontos de contacto com “Mariana Pineda“.

“Mariana Pineda”, levada a cena pela companhia “A Barraca” e encenada pela incontornável Maria do Céu Guerra, foi escrita entre 1923 e 1925. A obra baseia-se na vida de Mariana de Pineda Muñoz (1804-1831), uma resistente liberal à monarquia absolutista de Fernando VII.

Representada por Rita Lello, Pineda surge-nos no espetáculo como uma mulher amargurada, mas libertária, cujo amor pela liberdade se confunde com o amor por Pedro. A luta faz-se de dentro para fora, entre portas, quais filhas de Alba condenadas ao luto e fechadas ao prazer.

E, claro, para Lorca a paixão é a libertação, mas também a tragédia, a desgraça que condena as mulheres. Aqui o objeto de amor afinal condena, e a libertação é também um presságio de morte. Morte de Adela, a filha mais nova de Bernarda Alba, apaixonada por Pele, e morte de Mariana, apaixonada por Pedro, revolucionário liberal.

Os sons da Andaluzia, trazidos pelo músico José Pato e pelas cantoras Adriana Queiroz e Mariana Abrunheiro, são momentos altos da peça.

Fico o travo amargo de uma Rita Lello semelhante a uma personagem fingindo ser personagem. Em momento algum nos abstraímos dos esgares e expressões de ator clássico, pejadas de um artificialismo quase arrepiante. Cotejar um texto do Lorca é reviver o que de melhor nos oferece a dramaturgia e não se compadece com tanta mentira, impossível de esquecer, apesar da intensidade da cena final e da fatídica condenação à morte no garrote, da incrível cenografia do escultor Miguel Figueiredo e dos figurinos da Maria do Céu da Guerra.

Uma palavra para a atriz Paula Guedes, matriarca, implacável, com uma forte presença em palco, e para o ator João Maria Pinto, demonstração de como a singularidade de uma actuação não se faz da tentativa exasperada de inventar uma falsa intensidade, verdade que se sente numa personagem secundária da mesmíssima forma.

Faltou uma Mariana Pineda à altura da cantora Mariana Abrunheiro, deliciosa a cantar e até, veja-se, na sua singela interpretação de uma Adriana Queiroz leve, solta, iluminando os primeiros momentos da peça, no seu vestido verde (como o de Adéla, a quebrar o luto, numa casa afundada em temor), e até quando espia e lamenta a desgraça da condenada.

Faltou Mariana Pineda. Faltou-lhe coragem, amor, entrega e liberdade. Mariana ficou enclausurada em Granada ou nos textos de Lorca. Ainda assim, “A Barraca” merece sempre a visita, e Lorca ser revisitado.

O espectáculo mantém-se em cena até 3 de Dezembro. 

Joana Neto, por defeito profissional, escreve de acordo com o novo desacordo ortográfico.

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