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Montanha Russa – TNDMII, 9/3/2018

A imagem da Montanha Russa para definir a adolescência não podia ser mais feliz. Mesmo para os mais resistentes ao teatro musical (ainda que contaminados por alguns sucessos televisivos da década de 80, como a incontornável série Fame) a verdade é que entre a imagem, a simpatia e o reconhecimento que a Manuela Azevedo, dos Clã, merece, e a dose certa de curiosidade, vai uma distância curta até à sala Garrett do D. Maria II. Afinal as montanhas russas não são conhecidas por grandes paragens, a não ser antes de quedas vertiginosas ou de subidas, mas como diz a música “Quem vai na montanha russa, não debruça”, pode-se gritar ou ficar sem fala, (que isto do medo tem efeitos imprevisíveis, à feição de cada pessoa, de cada história), mas não se sai de lá o mesmo.

E a montanha russa serve para isso mesmo, como esclarecem quando se apresentam, para derrubar muros, como o muro de Berlim, de que nos fala a peça, essa imagem tão marcante para muitos dos atores, maioritariamente nascidos na década de 80, filhos de um país dividido entre Oriente e Ocidente, de uma Guerra Fria que já ninguém deseja.

Sim, os atores dizem-nos ao que vêm, quem são, para onde vamos… E, mesmo assim, nunca há grandes certezas quando se entra no Ciclone, que é como quem diz, a montanha russa daquela feira popular ora abandonada, ora viva. Que isto de ver a “silhueta” do ciclone e acordar a montanha russa de cada um, é tarefa fácil quando nos propõem memórias ridículas da primeira vez. Não são as primeiras vezes, como as histórias de amor, já dizia o Álvaro de Campos, ridículas? Claro. Só nos esquecemos de ser ridículos quando crescemos. Mascaramos tudo com medo de ficarmos de cabeça para baixo e entrarmos em queda livre.

E há uma música da “Primeira vez”, ou das muitas primeiras vezes que todos temos e lembramos de como sentimos saudade dessa sensação, e é uma festa ouvir devaneios parvinhos. Mais do que saudades do momento, sentimos falta da sensação…A sensação de estarmos vivos.

A voz muda, o corpo transforma-se, o apetite é de “um trator” e depois somos só nós. Nós a vivermos connosco mesmos, quando descobrimos o que isso é, se é que alguma vez descobrimos.

Retomam-se os diários, os blogs e, pelo meio faz-se um boomerang. Que a adolescência de hoje não é igual à de ontem mas, vai-se a ver, no essencial, as sensações são as mesmas. Mudam as datas do calendário, como no espetáculo, agora estamos em Agosto, agora em Setembro, agora no primeiro beijo, agora a discutir com a mãe, agora a fugir de casa, com data de regresso marcada, para aquele encontro que não pode esperar, agora estamos a viajar, agora falamos do nosso tio incrível que nos compreende, agora a experimentar tudo o que há para experimentar, agora com paragem para comer estrelitas e pizzas, mais que muitas, enquanto falamos de canções, daquelas canções incríveis de outros tempos.

Que bom rever a Carla Galvão, não lhe poupamos elogios na peça do teatro meridional e não será agora que o faremos. Continua expressiva, colocação de voz impecável, o corpo a dizer que sim ao pensamento e a ser o que ela quiser. E canta bem, pois.

Temos direito a medley no final, à Manuela Azevedo a saltar à corda e ainda fazemos uma passagem pelo Perú.

A peça é divertida qb, cirúrgica no diagnóstico da patologia adolescente, nostálgica sem ser enfadonha, e o imberbe é mesmo delicioso, que isto de ser jovem nunca fez mal a ninguém.

Assim sendo, venham andar na montanha russa até dia 27 de março. Viver sem loops é um tédio inacreditável e, lá pelo meio encontram aquela peça que dá estabilidade à montanha. Adolescentes ou vamos ser, ou somos, ou fomos e, em bom rigor, seremos sempre. Não há que enganar. Só não podem debruçar-se. É esta viagem pelo tempo, uma aposta ganha da encenação do Miguel Fragata, com todas as emoções que quiserem, que o Teatro D. Maria II vos propõe.

Na dúvida, tomem uma pastilha para enjoos e se as vossas chaves caírem lá de cima, há sempre hipótese de alguém as apanhar ou de estarem lá quando voltarem… Vá, é respirar fundo… Vai correr tudo bem…

Por defeito profissional, Joana Neto escreve de acordo com o desacordo ortográfico.

Foto © Nuno Fox/LUSA

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