home Didascálias, TEATRO Nora: A Doll’s House – Young Vic (Londres), 5/2/2020

Nora: A Doll’s House – Young Vic (Londres), 5/2/2020

Nora: A Doll´s House, adaptação da Casa de Bonecas de Ibsen pela vencedora do prémio Olivier, Stef Smith, estreou em março do ano passado em Glasgow no Citizens Theatre, na sua temporada dedicada a peças cuja dramaturgia é escrita por mulheres. É no Young Vic, em Londres, que a peça volta a ganhar vida até dia 21 de março.
Três portas sem de facto terem porta (só o contorno ou a moldura de madeira) marcam a fronteira entre o exterior e o interior, o espaço privado e o público. No exterior, apenas um baloiço suspenso do tecto e uma árvore de Natal, com o tijolo do Young Vic a descoberto. No interior, correspondente à boca de cena, uma espécie de sala vazia com algumas cadeiras. Por cima da então sala, um néon delimita o tecto daquela casa e no chão a elevação do palco traduz esse limite. Todo o espaço é aberto, já que o Young Vic é um teatro aberto e arejado, mas mal Nora entra, atravessando uma das “portas”, o espaço subtrai-se e começamos com ela numa asfixia gradual dentro daquelas quatro paredes invisíveis.
Uma mulher entra na sua casa.*
É a primeira deixa das três Noras de Smith, cada uma com o seu monólogo entrecortado pelas histórias das outras. As três refrescantemente distintas actrizes que protagonizam Nora estão vestidas de cor de vinho e são os figurinos que nos indicam a priori que estamos em três tempos diferentes: 1918, 1968 e 2018, precisamente. Nora(s) é uma esposa e mãe exemplar mas carrega dentro de si uma inquietação que é agravada quando é chantageada por Nathan, um bancário que trabalha com Thomas, o marido de Nora. Nathan ameaça trazer a público um segredo do passado de Nora que pode resultar em prisão, caso ela não o ajude a manter o emprego. Um conflito simples que activa a busca de Nora pela sua identidade e liberdade no caleidoscópio dos três tempos.
As personagens de Nora desdobram-se em Christine, a amiga de infância que volta depois de muitos anos, portadora de notícias do mundo e da sua mudança, e prova a Nora a sua lealdade e até o seu amor. Também as personagens masculinas se desdobram, mas entre épocas: Thomas, Nathan, e Daniel, o velho amigo do casal que sempre amou Nora e descobre que está a morrer de cancro. A fisicalidade e o trabalho de sotaques de cada actor masculino para diferenciar a época é notável. A imagem do caleidoscópio é de facto a melhor para traduzir o ritmo da peça. Vamos girando entre tempos e entre personagens, suavemente, sem perder o fio, mas sempre em constante movimento.
A peça é poética e dramática, com pinceladas de humor adocicado provenientes tanto da escrita como do trabalho de cena. De destacar a actriz Natalie Klamar (Nora 2 – 1968/ Christine 1) pela sua hilariante interpretação de Nora de uma forma infantil e cartoonesca, com momentos inesperados de mulher absolutamente guerreira.
Nora: Uma Casa de Bonecas sublinha e multiplica a emancipação da mulher já tão presente na peça original de Ibsen, através da apresentação de três Noras. Smith recicla a marcante história de Nora do século XIX e atribui-lhe um coro que é, numa primeira camada, composto pelas vozes das três Noras que habitam o palco simultâneamente – ora ouvindo-se umas às outras, ora em uníssono, ora em narração, num trabalho de rigor e atenção coreográficos exigente – e numa camada mais generalizada, a própria história da emancipação da mulher, que nos faz repensar se durante estes últimos 100 anos conseguimos de facto mudar alguma coisa, já que estas três mulheres, em épocas tão diferentes, se debatem exactamente com o mesmo problema: a sua liberdade individual. De um olhar paisagístico, é como se a peça nos quisesse dizer: já viram o caminho que nós percorremos? Mais de perto, diz-nos que parece estar sempre tudo na mesma. Mas no fim, a nota de esperança volta acompanhada por um discurso que grita à resiliência e persistência, que fez grande parte do público levantar-se para aplaudir de pé.
Um dia. Tudo vai ficar bem.
Nós conseguimos ultrapassar isto. Nós conseguimos sempre.
E se isto não é tudo.
E se isto for só o princípio.
(…)
Nunca vamos parar.
(…)
Uma mulher sai da sua casa e ela…*

* tradução livre do original

Ficha Técnica:
texto: Stef Smith a partir de Henrik Ibsen
encenação: Elizabeth Freestone
com:Mark Arends, Natalie Klamar, Luke Norris, Amaka Okafor, Anna Russell-Martin, Zephryn Taitte
cenogafia: Tom Piper
desenho de luz: Lee Curran
compositor e designer de som: Michael John McCarthy
movimento: EJ Boyle
Co-produção Young Vic e The Citizens Theatre

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