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Notas sobre o Luto – Chimamanda Adichie (D. Quixote, 2021)

Chimamanda Ngozi Adichie escreveu este Notas Sobre o Luto a quente, sobre o impacto da morte inesperada do seu Pai, em pleno dealbar da pandemia mundial. “A 10 de Junho [de 2020] faleceu.(…) e eu desmoronei. (…) completamente virada do avesso, aos gritos e aos murros no chão. (…) Sou arrancada à força do mundo que conhecia desde a infância. E ofereço resistência”.
À distância, debate-se com a impossibilidade de voltar a casa (Nigéria) para fazer o luto na presença física do pai e da mãe, responsáveis pelo melhor do seu carácter. “Recordo-me das explicações que o meu pai me deu, antes da minha prova final do liceu, e de me dizer: «Sim, estás a fazer progressos. Não duvides de ti. Não pares.» Será por isso que hoje acredito em tentar sempre? Foi ele como um todo que me formou, mas foram também estes episódios, pedaço a pedaço.”
O choque estende-se também ao regresso forçado ao ambiente onde nasceu e se fez mulher, nomeadamente através do confronto com as tradições fúnebres locais. “Os ditames da cultura ibo: esta passagem imediata da dor ao planeamento.” O seu distanciamento face a estas raízes culturais, que clamam a manutenção de um status quo, é evidente e todo o cerimonial afigura-se-lhe absurdo e invasivo diante de tamanha dor. “O luto é uma forma cruel de aprendizagem,. Aprendemos que a dor de perder alguém pode ser muito dura, cheia de raiva (…) que as condolências podem afigurar-se-nos completamente ocas.”

Chimamanda vive em pleno as emoções desta catástrofe, desde as mais “típicas” – como a recusa incrédula dos factos, a raiva, o desespero, a frustração, a culpa, tristeza – às mais pessoais e únicas, num complicado equilíbrio transposto para a escrita, entre a descrição crua e o seu enquadramento e contextualização, com ajuda preciosa de memórias e evocações.
São definitivas e transformadoras as implicações na sua escrita, na criatividade e mesmo nos seus métodos de trabalho, assim como na própria Linguagem, diante da magnitude e poder desta dor superlativa. “Aprendemos que uma grande parte do luto se prende com a linguagem, com o fracasso da linguagem e a busca de linguagem.”
Deste caldeirão resulta um opúsculo conciso e tocante, em que o primado do verbo, ao contrário da Criação bíblica, não é iniciático mas antes um sintoma de reconciliação com a realidade. A escrita como testemunho, partilha do indizível e insuportável, mas também sublimação da dor e a sua conversão em homenagem a um pai amado que mudou vidas. “(…) um homem bom, um bom pai. Eu gostava de lhe chamar «um homem gentil e um gentil-homem».”
Começamos as Notas plenos de emoção, mas a nota final, destacada numa página, é já a constatação da mudança e do peso inexorável do tempo, real e gramatical. “Escrevo sobre o meu pai no pretérito e não consigo acreditar que escrevo sobre o meu pai no pretérito.”
No duro processo do luto tudo mudou, excepto a linguagem. O nosso porto seguro.

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