Que farei quando tudo arde?, perguntava Sá de Miranda no séc. XVI. A resposta da TeatroNacional21 (TN21) foi fechar-se em casa e adaptar o espectáculo O Corpo de Helena às novas circunstâncias. Usando todo o elenco e equipa técnica (que fizeram questão de remunerar conforme inicialmente estabelecido), a peça divide-se em molduras num ecrã, reunidas virtualmente em torno da excelência do texto homónimo escrito em 1993 por Paulo José Miranda (editado pela Cotovia em 1998). O esplendor dourado de Helena de Tróia é reduzido a espectro, mediado pelas falas de uma família destruída e de um herói/deus, e dá o mote à centralidade da tormenta de Menelau, que responde a esta (nossa) questão inicial empurrado pela fúria cega. Devastado, questiona o poder sobre o seu destino, rendido à tão contemporânea e intemporal dúvida, que tudo mancha na sua existência: família, honra, pátria, a fé nos deuses e o amor próprio.
Com algumas insistentes insuficiências de som e imagem, demasiado familiares nos recentes e obrigatórios escritórios caseiros, surge o que Miguel Real, na animada conversa após a estreia em directo on-line, baptizou muito acertadamente de pós-teatro. A encenação lato sensu é deixada à máquina e o peso da palavra, ecoando entre anomalias digitais, é carregado pelo elenco, com destaque natural para Albano Jerónimo. Numa actuação fluida e imperturbável, alternando entre a raiva e o desvario, a soberba e o desafio, a sobriedade clarividente e a derrota, tem o jogo cromático (entre o azul, o vermelho, o branco e o verde, que nos recorda a saudosa memória da trilogia de Kieślowski ou o farol de The Great Gatsby) a complementar os estados de alma do seu Menelau, e das restantes personagens que, em vão, tentam dissuadir o devastado príncipe da autodestruição iminente.
Experiência arriscada e a espaços compensadora, esta em que o teatro se estilhaça em monólogos e diálogos curtos, com a dissolução do todo dramático tradicional, substituída pela evocação das virtudes e possibilidades de um espectáculo por cumprir.
A apresentação da peça, com uma entrevista a Paulo José Miranda, pode ser lida AQUI
Repete hoje e amanhã às 21h na página do Facebook da TN21.
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Ficha técnica
Texto| Paulo José Miranda
Direção | Cláudia Lucas Chéu
Intérpretes |Albano Jerónimo, António Durães, Emília Silvestre, Luís Puto, Marta
Bernardes
Espaço Cénico e Figurinos | Tiago Pinhal Costa
Desenho de Luz | Rui Monteiro
Assistência ao Desenho de Luz | Teresa Antunes
Direção de Produção | Francisco Leone
Produção Executiva | Luís Puto
Parceiro Institucional: República Portuguesa – Cultura
Apoios: Carlos Leal, Gerador, GMS Store, Oskar&Gaspar
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