Quando o público entra ouve-se o som de uma cidade a ser destruída.
Em palco, vários destroços vão caindo com impacto nas tábuas. Este som faz-se ouvir até as portas do teatro se fecharem e a luz da plateia se apagar.
Silêncio.
Passados uns minutos, o suficiente até o público se inquietar, as luzes do palco vão acendendo lentamente.
Ouve-se o som de uma floresta, um rio que corre e de quando em vez uns pássaros que sobreviveram. Ao centro um piano que aparentemente parece intacto apesar de algumas marcas e sujidade.
Até ao momento a única presença humana é a do público.
Minutos depois um actor ou uma actriz entra pela porta do público. Traz consigo um fato radioativo. Na outra mão uma máscara.
Quando chega perto do palco vira-se para o público e fica alguns momentos a escutar os barulhos que ainda ecoam na sala.
Tempo.
O actor ou actriz que até agora apenas estava iluminado pela luz que vem do palco é neste momento iluminado por um foco de luz só para si.
O actor começa a vestir o fato radioativo e a colocar a máscara.
Tempo.
A olhar para a plateia.
SAKAMOTO
Quem mais é que viu isto?
Não sendo perceptível o que diz o actor/actriz retira a máscara.
Desculpem. Perguntei: quem mais é que viu isto?
O actor/actriz aguarda a reação do público.
Braço no ar! Quem mais é que viu isto?
O actor/ actriz aguarda a reação do público.
Muito bem.
Volta-se para o palco por alguns momentos e torna a encarar o público.
Alguém quer subir comigo?
Silêncio.
Deixem-se estar. Eu vou. Vim preparado para subir.
O actor prepara-se para subir as escadas que dão acesso ao palco.
Aqui vou eu.
Lentamente o actor sobe para o palco e contempla tudo à sua volta.
Tempo.
Durante algum tempo o actor/actriz caminha pelo palco e faz alguns comentários sobre o que encontra.
Quase imperceptível.
Estante, sem livros.
Uma cadeira.
Telhas.
Uma garrafa.
Um quadro.
Uma bota, parece ser de senhora.
Uma televisão.
Uma bicicleta.
Uma musica que terá ficado a meio. Cama destruída.
Pausa.
Olha, um microfone.
O actor/actriz agarra no microfone e vira-se para o público.
Um microfone. Conseguem ouvir-me?
Que maravilha. Assim, sim! Som, som, som! Está a funcionar!
Continua a passear pelo palco.
Som, som! Público, estão aí? Alô?
Obrigado!
O actor fica imóvel a olhar para a plateia.
Não sei se não se estará melhor desse lado.
Ri-se.
O meu nome é Sakamoto. Tem origem nos termos saka, “descida íngreme”, e moto, “origem”, ou seja, “aquele que vive próximo ou na parte inferior de uma encosta”.
Gosto desta cidade. Vivia ali em cima no topo e passava os dias a olhar cá para baixo a ver as pessoas a passar. Um dia decidi descer as escadas e caminhar pelas ruas até encontrar outro lugar que não aquele que escolhi durante anos. Infelizmente não o encontrei e depois tive de fugir. Uns anos mais tarde, hoje, decidi caminhar até onde os meus passos me queriam levar e vim aqui parar.
Silêncio.
Regressei. Onde estive não me lembro mas provavelmente no topo de outra cidade a ver as pessoas a caminhar. Talvez tenha enlouquecido. Talvez não deveria ter voltado onde os meus passos me trouxeram.
Há sítios para onde podemos fugir, sítios onde podemos estar sós, mas não há nenhum sitio onde nos possamos esconder.
As luzes vão-se apagando. A cortina desce.
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Excelente