home Didascálias, TEATRO O Teatro da Amante Inglesa (Marguerite Duras)- Teatro da Politécnica, 31/03/2018 

O Teatro da Amante Inglesa (Marguerite Duras)- Teatro da Politécnica, 31/03/2018 

A Artistas Unidos propõe-nos O Teatro da Amante Inglesa, de Marguerite Duras, uma das grandes referências da literatura francesa do século XX. Obra inacabada mas, ainda assim, tão imperfeita quanto pode ser a perfeição de Duras, na recriação de um crime real e grotesco cometido em dezembro de 1949, em Savigny-Sur-Orge, na região de Essone, pela mulher contra o marido, ele militar reformado, ela uma mulher que fora mudando sempre de emprego.

No livro de Duras, não é o marido que é assassinado com um martelo no crânio, enquanto lia o jornal, (que passeio entre o horror e o trivial), embora tal fosse verosimil, como observamos no interrogatório ao marido com que a peça inicia. Com Duras, a vítima é a prima, que “de costas parecia uma vaca”, demasiado gorda para aquela casa, como o marido era demasiado alto para aquelas portas. Assim se desenha a “banalidade do mal”, se é que podemos invocar Hannadth Arendt, e se tenta compreender a crueldade de quem esquarteja um corpo e o atira para a linha férrea. E a assassina confessa. Prontamente. E explica-o, com as devidas reservas, sem o explicar, disseca o acto. Mas há um mistério inelutável na sua mente ou na sua loucura. Afinal é tão trivial e movido por algo tão inexplicável quanto palpável, como tantos atos humanos.

Isabel Munoz Cardoso tem uma interpretação desconcertante no papel de Claire Danes, fechada nas suas expressões mínimas, presa à cadeira como uma criança indefesa, sobretudo depois de assistirmos inquirição do marido (João Meireles), perdido entre o tormento do amor por Claire, que sentiu e que nunca lhe deu, o desprezo a que a votou em nome desse amor nunca apagado e a incapacidade de libertação desse sentimento perene, mesmo depois de anos de isolamento incompreensível, em que ela passava os dias no jardim de casa, sem que compreendesse o que fazia ou pensava, a razão pela qual nada a apaixonava. O inquiridor (Pedro Carraca) atravessa a mente do casal, num limbo racional, enquanto procura a chave do crime e cumpre: surpreende-se sem se deslumbrar, interessa-se sem se envolver, como tem que ser.

Uma sala preta, dois interrogatórios, uma incursão, expiação, com a dose certa de ironia que vem do crime tornado corriqueiro, como uma compra de supermercado no final do dia. O texto vale a visita e as interpretações mais do que a justificam. Três black outs. Tudo frugal e limpo, seco como um pedaço de carne (esquartejada) e banal como a morte. O nosso fascínio pela trivialidade do grotesco apenas mais um motivo para ir ao Teatro.

Por defeito profissional, Joana Neto escreve de acordo com o desacordo ortográfico.

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