home Antologia, LITERATURA O teu rosto amanhã (I – Febre e lança) – Javier Marías (Alfaguara, 2017)

O teu rosto amanhã (I – Febre e lança) – Javier Marías (Alfaguara, 2017)

Em tempo de pressas, do stress induzido pela necessidade de constantes resultados e urgentes medidas, Febre e Lança, o primeiro livro da trilogia O teu rosto amanhã de Javier Marías remete-nos para a introspecção, para a observância das particularidades, para a análise minuciosa dos detalhes (a importância de um esgar, de um sorriso, de um gesto, um traçar de pernas, umas meias escorregadias, uma gota de sangue), para a interpretação dos silêncios, de todas e cada uma das citações –as mais e menos eruditas – para a demora das conversas, numa narrativa sistematicamente intercalada pelo pensamento e pela história de Dezas – a personagem principal, da qual, paulatinamente, nos vai sendo dado a conhecer o percurso, a personalidade, o íntimo, mais através de dedução que propriamente de factos.

Estamos pois perante uma narrativa que exige um determinado leitor: não ocasional, um receptor paciente, que possa tirar partido, por assim dizer, mais dos parêntesis do que da acção. No périplo pelas memórias das personagens – de Sir Peter Wheeler e de Jacques Deza – retrocedemos à Guerra Civil Espanhola e ficamos cientes das perfídias de alguns e dos antecedentes da utilidade de dons como o de Deza, o dom da percepção, do conhecimento do outro, agora ao serviço da Inteligência Britânica.

A misteriosa personagem de Tupra, que o leitor vai aos poucos percepcionando como chefe de uma célula que se dedica à investigação secreta – espionagem – e o envolvimento de Deza, que quase acidentalmente se dispõe a colaborar, tecendo considerações sobre estranhos através da sua observação, conduz-nos, diria, com estupefacção, à constatação de que tudo parece demasiado ocasional, frívolo, uma brincadeira demasiado séria baseada em especulações de uns poucos que, aparentemente, são dotados desta presciência sobre os outros, ditando-lhes consequentemente sentenças ou destino.

O primeiro volume desta trilogia de Marías revela um conhecimento profundo sobre a natureza humana, traduz um autor atento, observador, estudioso, um catedrático no Homem e nas suas imperfeições, lança as fundações do que promete vir a ser um envolvimento num verdadeiro romance de espionagem, promessa que esperamos possa de facto vir a ser cumprida, porque fica a urgência e a necessidade da acção, satisfeita plenamente que está a capacidade de contemplação.

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