home LP, MÚSICA Ólafur Arnalds – Coliseu dos Recreios, 13/3/2019

Ólafur Arnalds – Coliseu dos Recreios, 13/3/2019

No dia em que a internet parou, por uma falha técnica no Facebook, Instagram e Whatsapp, o islandês Ólafur Arnalds aproveitou para convidar o público lisboeta a fazer serão. Acabaria por fazer sentido umas horas mais tarde quando o compositor neoclássico relatou a sua experiência de bloqueio criativo e como o fez sentir necessidade de se afastar do mundo para reencontrar a sua inspiração. Mesmo sem querer, o ar estava carregado de pequenas coincidências e conspirações deste género, que acabaram por encaixar na perfeição e fazer desta uma noite mágica. Envolvidos na melodiosa e melancólica set list, lá foram os presentes no Coliseu dos Recreios sonhando…

Entrando na sala está ele, sem sapatos, apenas com umas meias peculiares às riscas vermelhas e brancas, sentado em frente a um piano. Rodeia-se de músicos (muito bons músicos), enceta o discurso com um cumprimento tímido e começa a contar estórias. As primeiras são em formato musical. A audiência é carregada até ao passado, a EP’s experimentais que, como o próprio descreve, são parte desta espécie de música que passou a compor desde que deixou a banda de hardcore punk e cujo nome confessou gostar de repetir em salas históricas.

Depois dessa intro emotiva, volta a envolver a audiência na entoação de uma nota musical. Em tom jocoso, diz que fará os possíveis para usar esse mesmo contributo. E o auditório volta a deixar-se levar pela estória da qual agora faz parte. Ainda que a sala seja majestosa, ornamentada de acordo com o gosto pela ostentação de reis e rainhas, Ólafur faz os possíveis para a transformar numa acolhedora sala de estar, não só pelo diálogo que vai mantendo, pela postura descontraída com que se senta no banco do piano mas também pelo jogo de luzes cuidadosamente planeado, que lembra um bosque. E, como é do conhecimento geral, num bosque encontramos segredos e momentos íntimos.

Inesperadamente, mesmo antes de uma apresentação mais cuidada e focada no último álbum re:member, o sintetizador, o computador e o piano deixam de funcionar. Contava, neste momento, como um acidente no qual esteve envolvido o impediu de voltar a tocar piano e que, num aeroporto asiático, se tinha deparado com a solução: um piano a emitir o som da Imagine, do John Lennon, sem que ninguém lhe tocasse. Aqui, surgiu a ideia da criação de um software que permitisse que as suas composições para cordas e piano fossem tocadas por ele, como se de um fantasma se tratasse.

Nos mais de dez minutos de paragem do concerto, foi percetível como Ólafur é um artista de mão cheia. Se um concerto instrumental pode ter as suas vicissitudes e representar um desafio no que diz respeito a manter o compromisso dos espetadores, um concerto instrumental com uma crise técnica que o interrompa, é um caso sério. Ainda assim, com a naturalidade de alguém vestindo umas calças de fato de treino e uma camiseta preenchida com duas colcheias, como quem vai dormir a seguir, e com o nervosismo natural de um contratempo, a interrupção permitiu que o islandês partilhasse a os momentos que o fizeram entrar e permanecer na indústria. O silencio da música, ali, apesar de não planeado, não ficou nada mal.

Passando também a nota de que gosta de Portugal, que adorou a cidade de Braga e que, em dois dias, tinha comido mais de dez “natas”, mais estórias se seguiram. Desta feita, foi a sonoridade mais alegre do álbum de 2018, uma performance irrepreensível dos violinistas e a vontade de balançar na cadeira ao som do bosque islandês que fez o concerto acabar por ali com todo o palco a recolher aos bastidores. Nada que uma demorada ovação em pé não resolva! E todos voltam para dois temas finais. Aqui, tocam “Near Light”, voltam a carregar toda a sala até ao mundo mágico e nostálgico de Living Room Songs de 2011. Regressados dessa viagem, gentilmente, os instrumentistas saem do palco e Ólafur agradece de novo ao público português.

Termina com o tema mais emblemático que já escreveu e, de costas para a sala, relembrando a sua avó com carinho, como a pessoa que o introduziu à música clássica e a Chopin, que lhe fazia panquecas em troca da sua visita e com o lânguido e perfeito “Lag Fyrir Ommu”.

Tudo foi mágico, com a qualidade de um sonho. Entre o calor das palavras, tantas vezes em tom de brincadeira, das imagens criadas com notas musicais, o filme baço e turvo e uma sonoridade única, sobressai, não só o talento, mas a humildade daqueles artistas que fazem os seus seguidores acreditar que são capazes de tudo, desde que encontrem a inspiração certa. A noite de treze de março foi, sem dúvida, essa inspiração.

Por defeito profissional, a Catarina Piñon Mendes escreve de acordo com o novo desacordo ortográfico.

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