A Coreia do Sul está na moda. A produção cultural daquele país tem vindo a ganhar uma progressiva exposição nos circuitos ocidentais principais, recusando-se a ficar remetido para as sombras dos indies: Oldboy, um filme de 2003, em 2012 a K-Pop rebentou em força, com Psy e Gangnam Style (com 3 mil e 500 milhões de visualizações no Youtube), e este ano, Parasitas ganhou 6 Óscares, entre eles o de Melhor Filme. Em Setembro de 2019, a Lua de Papel, lançou Os Conspiradores, de Un-Su Kim, com 333 páginas.
Começando pelo aspecto – uma boa capa, bem desenhada, garrida, e até com um surpreendente e agradável tacto aborrachado. Parabéns pelo trabalho gráfico e o cuidado na apresentação. Tanto na capa como na contracapa há citações feericamente elogiosas ao conteúdo.
O personagem central é Reseng, um jovem assassino (35 anos) profissional, que faz parte da Biblioteca dos Cães, uma sociedade de assassinos dirigida pelo Velho Guaxinim. Reseng foi acolhido e formado pelo Velho Guaxinim, e aprendeu a ler sozinho, tendo aproveitado o facto de viver na Biblioteca (que também o é), para ler todos os livros que lá existem – tornando-se mesmo um erudito. O antecessor de Reseng é Hanja, que se educou nos Estados Unidos e dirige uma organização mais empresarial, na mesma área de negócio. É destas duas diferenças, o tradicional e o empresarial, que vai decorrer parte do enredo.
Existem personagens caricatas, como o Urso (tem um crematório para animais, mas ganha uns cobres por fora a cremar vítimas que é preciso fazer desaparecer), a bibliotecária estrábica, Mito, Misa, o Barbeiro, Abajour e Secretária (as gatas de Reseng). O livro contém também toda uma taxinomia acerca da actividade de Reseng: assassinos, conspiradores, intermediários, rastreadores.
Há diálogos interessantes e bizarros (que chegam a envolver cuecas que emitem infravermelhos), reflexões sobre os intestinos do divino ou a inversão do quão difícil é ser-se medíocre, para além de descrições vívidas e cirúrgicas (por exemplo, o Mercado da Carne). E, é claro, mais um sonho, há sempre um sonho. Autor que seja autor, tem de meter um sonho algures na narrativa. mesmo que não tenha qualquer interesse.
Un-Su Kim é um escritor competente, muito mais próximo de Murakami do que de Tarantino (pegando nas referências que se podem ler), tem elegância e um tom muito pessoal, há inteligência e sentido de humor sardónico em quantidades abundantes, uma crítica social subtil – sem ser particularmente original. E é aqui que retomo as 8 berrantes frases encomiásticas da capa e contra-capa: prejudicam mais do que ajudam, criando expectativas que não se verificam. O leitor não vai encontrar um Leon, o Profissional, não vai ver “ultraviolência coreografada” (The Guardian), mas antes uma obra com muito mais observação do que acção, e é precisamente por isso que se destaca.
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