home Antologia, LITERATURA Os Contos – Giuseppe Tomasi Di Lampedusa (D. Quixote, 2017)

Os Contos – Giuseppe Tomasi Di Lampedusa (D. Quixote, 2017)

Ler este Os Contos, composto por quatro pequenas estórias escritas por Lampedusa, permite-nos aproximar um pouco de quem este escritor foi e do que viveu.
Ao longo dos quatro contos, de natureza tão diversa entre si que temos até dificuldade em dar-lhe essa designação, há, de facto, algumas notas comuns: uma notória elevação do discurso, uma indisfarçável fineza de trato, própria da sua condição social, e uma agradável ironia, muitas vezes a roçar o cómico.
As “Recordações de Infância” lêem-se com maior vagar, atentas as exaustivas descrições dos espaços, dos lugares, das suas casas. Mas não se lê com desagrado: cheiram a uma Sicília quente, aromatizada de flores campestres, povoada de gente que apetece conhecer melhor. O autor desperta esta curiosidade com mestria, dando nota, em três ou quatro “pinceladas” eficazes, de traços que nos permitem perceber uma personagem por inteiro: «pessoa muito boa, delicada, benquista, dedicara a vida (e desperdiçara a maior parte dos seus bens) no desejo de ser uma “pessoa elegante”. E, do ponto de vista da indumentária, tinha certamente conseguido.» Fica tudo dito. Sobre o descrito, um resumo sublime, que deixa perceber o que não foi capaz de ser na vida; sobre Lampedusa, um inegável – embora sempre elegante – olhar condescendente.
As extensas (e, na nossa opinião, excessivas) notas ao texto, que teriam melhor lugar no final da obra, destinadas à leitura atenta de um leitor com esse específico propósito, assim como algumas gralhas (Lampedusa não se conformaria com as plantas que “haviam” no seu jardim…), não desmotivam a leitura que nos leva ao segundo texto, “A Alegria e a Lei.” Esta é uma estória rápida, incisiva, que é bem reveladora da facilidade do autor em traçar retratos de caráter, através da facilidade com que, por vezes, dá linearmente a conhecer os pensamentos das personagens, os seus receios, enquanto que, noutras situações, apenas deixa antever vidas conturbadas e entristecidas. Lemos num ápice “A alegria e a Lei”, e percebemos que, sobre Girolamo e Maria, nada mais podia ser dito.
Segue-se “A sereia”, num registo diferente, em que percebemos a grandeza do escritor e a razão da sua reputação, para lá de O Leopardo, não apenas pela facilidade com que mistura o real com o etéreo, a fantasia da mulher perfeita com a constatação da velhice, mas pela criação da personagem sublime do senador La Ciura, doce na sua arrogância de velho determinado.

Os “Gatinhos Cegos” fecham a obra com chave de outro. Na já habitual rapidez descritiva, em traços rápidos e certeiros, Lampedusa percorre a genealogia e a construção da fortuna de uma família, um serão de póquer maledicente, e remata, a espaços, com o seu refinado humor: “o guarda-livros Ferrara era um indivíduo com sentimentos, característica humana muito rara na Sicília.”
Diremos que Lampedusa tem o dom de, sem excessos de linguagem e sem prolixismo, escrever pessoas, lugares com gente dentro. Como se soubesse, nos últimos anos da sua vida, em que se dedicou à escrita, que era preciso dizer tudo, dizer rápido e bem, para poder, a partir do que nos conta, contar-se também a si.

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