Ouro, Prata e Silva é o primeiro livro da série em torno de Marcelo Silva, um jornalista experiente que é nomeado para dirigir uma nova brigada anticorrupção numa Lisboa a rebentar pelas costuras de turistas e onde os vícios e perversões da elite que controla o país são encapotados à vista de todos. Logo nos primeiros dias no cargo, Marcelo Silva vê-se a braços com o desaparecimento de um dos mais influentes banqueiros do país, chamando a si a missão de o encontrar e enredando-se inevitavelmente nas malhas do submundo vil e imoral da alta finança e da corrupção política.
Num relato que acompanha um desenrolar particularizado dos acontecimentos e onde as personagens se apresentam como que ao sabor da necessidade, vamos colecionando as peças de um puzzle cuja trama tem como cenário um decalque duma realidade muito recente em Portugal: a crise político-financeira dos últimos anos.
Pese embora a ficção seja evidente, tornam-se inevitáveis as comparações, quer com a realidade recente quer com as figuras públicas que a povoaram, a que o leitor instintivamente recorre e mentalmente dá corpo quando confrontado com personagens apresentadas como um primeiro-ministro corrupto (“O primeiro: o homem no topo da pirâmide do palácio tinha esfregado o conto do olho a meio da reunião para disfarçar o tremor da pálpebra (…)”) e sem nome ou um presidente anónimo e criminoso de uma instituição financeira. O quadro é, evidentemente, elucidativo da realidade política e financeira e das lutas de poder que todos sabemos que existem, mas ainda assim incomoda pela sordidez. Ao mesmo passo, também a personagem de Marcelo Silva, o jornalista experiente e incorruptível, desiludido com a profissão e com o país, ganha necessariamente um cunho autobiográfico. Torna-se assim imperativa a colagem ao Autor, a quem as semelhanças com o protagonista se apontam.
É assim que Miguel Szymanski, por meio de uma escrita assertiva que “saltita” de personagem em personagem, constrói um relato multifacetado e pejado de perspectivas, onde os factos se oferecem pela mão dos diversos intervenientes (pese embora predomine a perspectiva de Marcelo Silva), o que dá ao leitor a liberdade de ir montando o puzzle ao seu ritmo e chegar às suas conclusões sem se sentir a isso conduzido. Desengane-se, no entanto, o leitor que espera obter respostas inequívocas ou absolutas. À semelhança da realidade que nos rodeia, num quotidiano mais ou menos banal, Miguel Szymanski deixa no ar interrogações sem resposta (ou apenas peças que o leitor não conseguiu encaixar), factos que nunca se vão confirmar, pistas cujo rasto não tem destino, e assuntos que morrem sozinhos. Faz do próprio leitor um aliado, um cúmplice de Marcelo Silva, dando-lhe as ferramentas para participar na trama e desvendá-la por si. É nesse mesmo registo que oferece a explicação para o título da obra: através de um provérbio arremessado no meio da trama. O silêncio é de ouro e a palavra é de prata. No extremo oposto chega-nos (Marcelo) Silva, como que completando o vértice do triângulo, e constituindo o espinho doloroso da verdade: ouro, prata e silva.
Como Marcelo Silva, Miguel Szymanski é, também ele, jornalista e luso-alemão, tendo vivido na Alemanha por dois anos na altura da crise financeira, mas optado por regressar a Portugal por sentir que lhe faltava o mar e a pátria. É escritor e estudou Economia, Direito e Literaturas Modernas. Como jornalista colaborou com publicações como O Independente, o Expresso, foi editor da revista GQ e cronista do Diário de Notícias, para nomear algumas. Publicou o seu primeiro livro – O Economista Acidental – em 2010, e em 2014 lançou Ende der Fieste na Alemanha. Colabora em programas televisivos em Portugal, Alemanha e Áustria.
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Deveras momentoso, acutilante como suave, tipo “Suave Milagre” do escalpe do mundo em que vivemos…