Imaginem um convite para uma noite descontraída de convívio com um dos vossos guitarristas favoritos, (por mero acaso, um dos melhores da História) em que ele aparecia munido da sua guitarra e recriava alguns dos seus melhores temas, acompanhado por amigos. É este o conceito idealizado para sustentar a mais recente digressão mundial de Pat Metheny, apropriadamente entitulada “An Evening with Pat Metheny“.
Os amigos que trouxe consigo para esta noite “intimista” no Coliseu do Porto só por si valiam o bilhete: Antonio Sanchez (baterista com quem colabora há décadas), Linda Oh no contrabaixo e Gwilym Simcock nas teclas.
O alinhamento estendeu-se desde os primórdios da carreira do mago da guitarra (com o tema título do primeiro álbum Bright Size Life (ECM, 1976), gravado com o mítico Jaco Pastorius) até à actualidade, passando pelas várias fases da sua abordagem à guitarra, desde a mais ambiental, com as colaborações com o pianista Lile Mays, à mais tradicional, com o fantástico Question and Answer (Geffen Records, 1990), de que tocou dois temas (o tema título e “Change of Heart”).
O serão foi descontraído e tranquilo, com os únicos sobresaltos a partirem dos fabulosos solos de Metheny e de Sanchez, que se entenderiam às mil maravilhas mesmo que fossem surdos-mudos, tal é a telepatia que os une. Ouvir e ver Antonio Sanchez é simplesmente impressionante. O modo como transforma a bateria num verdadeiro motor é quase impossível de acreditar, pela capacidade atlética no domínio das diversas pedaleiras e ritmos inusitados, enquanto mantém os tempos e os compassos controlados com uma precisão matemática, medida ao centésimo de segundo e plena de técnica, embora sem exibicionismos e sempre ao serviço do todo melódico. As mãos e os braços raramente se erguem, concentrando os movimentos nos pulsos e mãos, como mandam os livros. Uma masterclass sem o “rigor mortis” do academismo. Um organismo vivo em constante mutação.
Gwilym Simcock teve uma presença discreta mas sempre assertiva, com os seus acompanhamentos sem atribulações e os seus solos criativos e “fora da caixa”. Linda Oh começou timida, mas foi crescendo ao longo do espectáculo, até demonstrar toda a sua pujança no segmento final, em que cada músico partilha o palco a sós com Metheny, fazendo o melhor possivel por acompanhar o guitarrista ainda em plena forma.
O respeito quase reverencial do público foi surpreendente e mais do que isso, louvável na contenção, ao aceder ao pedido de Metheny de manter no bolso as omnipresentes e sempre irritantes luzes dos telemóveis, beneficiando muito a fruição do espectáculo próximo da perfeição que tivemos o gosto de presenciar, durante cerca de três horas.
O som do palco e a iluminação do mesmo também foram evoluindo, para a meio da duração do concerto estarem aceitáveis, embora bem aquém do espectáculo que decorria. Um desperdício, dizemos nós, perante a qualidade dos intérpretes que ali tínhamos, mas nada que fizesse esquecer o que ali nos tinha levado: testemunhar o melhor do Jazz que ainda hoje se faz. Com uma carreira brilhante, bem próxima da quinta década, Pat Metheny foi, como sempre, prodigioso, e foi com a alma cheia de belas memórias sonoras que regressamos a casa.
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