home Didascálias, TEATRO Perplexos – Teatro S. Luiz, 28/04/2018

Perplexos – Teatro S. Luiz, 28/04/2018

O que esperar da peça Perplexos, a partir do texto do dramaturgo alemão Marius von Mayenburg, encenada por Cristina Carvalhal, com quatros atores em palco (Nuno Nunes, Pedro Lacerda, Sara Carinhas e Sílvia Filipe), em cena no Teatro São Luiz? Toda a perplexidade. Talvez seja essa a garantia de qualquer reflexão não pseudo intelectual permitida aqui.

Um casal regressado de férias reencontra outro casal que guardou, ocupou e transfigurou a casa durante a sua ausência. A planta mudou de sítio, os copos do serviço feio foram sendo partidos, a mesa já não tinha tampo de vidro, o lixo foi empurrado para debaixo do sofá (numa tentativa de metáfora absurda de expiação da hipocrisia burguesa), o manjericão secou, a conta da luz não se pagou, o interruptor afinal acende, a encomenda ficou por abrir (a abertura é guardada para o final e o conteúdo assemalha-se a uma evocação estapafúrdia do filme “Sete Pecados Mortais”).

Temos ainda um ator com uma t-shirt amarela estampada com o nome Nietzsche, alusão ao totalitarismo como uma das incursões do espetáculo, ou até mesmo uma tentativa de mergulhar no “super-homem”, descrito no “Assim Falou Zaratustra”, do controverso filósofo alemão que tanto inspirou os ideólogos do nazismo, apesar de todos os equívocos em que assentou esse aproveitamento do seu pensamento filosófico.

Como se não bastasse um ator nu a disparar dislates sobre a teoria de Darwin e a extinção dos zarolhos, ou a transformar a alegoria da Caverna de Platão num diálogo pequeno burguês, com a mulher, de copo na mão, entre o deitada e o embriagada, no sofá da sala, teríamos sempre um adulto-criança a baptizar os progenitores de fascistas, misturada com alguém que resgata do armário uma farda de SS ou até mesmo uma espada, um sabre, ou uma qualquer arma branca, com uma suástica gravada.

(A RTP fez uma reportagem interessante sobre a peça, que poderão visionar AQUI)

Aguarda-vos o cliché do patrão envolvido com a empregada doméstica, da mãe que não vê o filho, que lhe esquece o nome e até uma festa com uma rena, uma viking, um esquiador e um vulcão da Islândia, as trocas de casais, a orientação sexual a sair do armário com um “Entrega-te à rena” e um amor e uma cabana proibido e condenado à partida, entre cocktails e disparates aos molhos. A burguesia, o casamento burguês, a infelicidade, a depressão pós-álcool, o vazio, a estupidez e as amarras todas que nos atam, apesar de todas as liberdades/libertinagens e alguma filosofia de cordel.

Do espetáculo pouco mais sobra que isto, com atores, em cena e fora dela, a desmontar o cenário, a beber cerveja e a cantar sobre este vazio pequeno burguês, que se senta numa sala de espetáculo e espera a rendição ou a glória. Rendição? Glória? Não, nada disso. Entre gargalhadas fortuitas, espanto, riso e tédio, quedamo-nos algures entre a angústia dos minutos intermináveis e a busca vã de algo que redima o espetáculo e, já agora, nos resgate. Sim, ainda é de perplexidade que falamos. Até aí estamos todos de acordo. Pena não bastar para uma boa noite de teatro.

Perplexos está em cena até 5 de Maio.

Por defeito profissional, Joana Neto escreve de acordo com o desacordo ortográfico.

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