Jorge Silva Melo e os Artistas Unidos levaram à cena, no Teatro da Politécnica, a peça de Davide Carnevali, Retrato de uma Mulher árabe que olha o Mar.
Numa cidade costeira do Norte de África, um europeu, de passagem em trabalho, mete conversa com uma mulher que encontra na praia a ver o mar. Ele encanta-se, ela deixa-se encantar. Ele desenha-a, deseja-a e conquista-a. Ela apaixona-se, entrega-se e desilude-se. E as diferentes visões, perspectivas e expectativas relativamente ao outro, ao futuro da relação e à importância do que os une, são o mote para algo mais vasto: as diferenças de pensamento, de visão e de cultura entre os homens e mulheres, entre cidadãos de diferentes continentes.
«Não percebo o que tu dizes», «[n]ão confio naquilo que tu dizes, estrangeiro». Davide Carnevali, o jovem dramaturgo italiano nascido em 1981 e que recebeu em 2013 o Premio Riccione per il Teatro com este Retrato de uma Mulher árabe que olha o Mar, conta-nos uma história tão antiga quanto a própria humanidade: a da inaptidão (ou do medo?) de entendermos e de nos identificarmos com o Outro, de compreendermos o que nos é estranho, de aceitarmos e integrarmos valores, costumes e sentimentos diferentes dos nossos.
«Não sentiste a minha falta. Sentiste vontade. É diferente», diz a mulher ao homem a dado momento. Mais adiante, é a vez do estrangeiro dizer à rapariga: «[n]ão sentiste a minha falta. Sentiste solidão. É diferente». Tudo é visto, sentido e interpretado de maneira diversa por cada um deles.
Com um cenário modesto e muito singelo, em que os tecidos estendidos no estrado vão sendo retirados à medida que se vão descascando as camadas mais superficiais das personagens, Inês Pereira, João Meireles, Nuno Gonçalves Rodrigues e Margarida Correia dão vida, respectivamente, à mulher que olha o mar, ao estrangeiro que a cativa e aos dois irmãos dela que, numa dicotomia entre o desejo de proteção da irmã e a atração pelo desconhecido, acabam por precipitar o final da história.
As telas de Pedro Chorão identificam soberbamente os ambientes e acompanham o crescendo da ação: primeiro em tons de azul, a lembrar o mar contemplado pela mulher e a frieza das relações e conversas superficiais de quem acaba de conhecer-se; depois vermelhas, como o chão das ruas do mercado onde se cruzam e remetendo para o sentimento de encantamento que se desenvolve; e por fim a preto, cor da noite, da tristeza, da separação e da morte.
«- Que é isto? /- Um presente. / – E o que é?/ – É um retrato. De mim e de ti. Fi-lo há uns dias, na praia. Enquanto olhavas o mar». O Retrato de uma Mulher árabe que olha o Mar foi desenhado pelo estrangeiro. A verdadeira imagem daquela rapariga, o seu modo de sentir, de amar e de sofrer, ficam gravados na nossa memória muito depois do cair do pano.
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