home Didascálias, TEATRO Sabujo – Sala de Bolso, 23/10/2019

Sabujo – Sala de Bolso, 23/10/2019

No Teatro, como em todas as áreas da cultura, as aparências iludem e o facto de pequenas companhias o apresentarem em espaços exíguos é subvalorizado. Associa-se equivocamente a disponibilidade de espaço e meios a amadorismo. Quando sustentadas por um trabalho consistente de selecção de repertório e elencos capazes de lhe conferir a dimensão devida, estas estruturas têm uma flexibilidade indispensável a uma experiência teatral única, de uma proximidade impossível de reproduzir em espaços mais antigos e estruturas municipais ou nacionais, por regra mais obsoletas e pesadas, cavando um fosso que o separa do espectador médio, que não o estudante de teatro, actor ou amigo dos actores ou da equipa. A Assédio Teatro e a sua Sala de Bolso desenvolvem esse trabalho há alguns anos, trabalhando sobre textos contemporâneos (nos últimos anos passaram por lá obras de Owen McCafferty, Mark O´Rowe, Howard Barker ou Enda Walsh), com bom gosto a compensar os parcos meios e o trabalho árduo de actores e produção a alimentar os amantes de teatro que comparecem. Sabujo mantém o trajecto trilhado, com uma tradução e adaptação ao contexto português de Francisco Luís Parreira, a partir do texto original da Anthony Shaffer e do guião para o cinema de Harold Pinter (usados em dois filmes de 1972 e 2007, com diferenças importantes no argumento e Michael Caine a interpretar a personagem mais nova na primeira versão e a mais velha na recente) e dois experientes actores a segurarem o enredo deste thriller policial – Pedro Frias como Raúl Formosinho e João Cardoso como André Cepeda.

Sem desvendar a trama, a peça vive da dialéctica confrontacional e desnivelada entre André e Raúl, cujas vidas se cruzam por obra de Estela, esposa do primeiro, que deixa pelo segundo. O choque entre ambos é evidente desde os primeiros instantes da peça. André Cepeda é um famoso e galardoado escritor policial, produtor de vinho no Douro, rico e poderoso. Raúl Formosinho é actor com ascendência espanhola e origens humildes. Uma proposta inesperada e aliciante espoleta a sucessão de eventos em que se apoia este thriller policial, num crescendo de surpresas. A tendência satírica e cómica do guião tornado peça prevalece sobre as ressonâncias sociológicas mais óbvias, uma opção certeira que gera duas horas de entretenimento divididas em duas partes distintas, com jogos de poder e manipulação em que, não só a pretensa supremacia física e intelectual masculina é parodiada, como duas sólidas interpretações de João Cardoso e Pedro Frias (também encenadores) são chamariz bastante para uma noite de Teatro divertida e compensadora a nível estético e intelectual.
No final, tudo se resume a uma batalha sangrenta pela posse de uma mulher invisível – Estela – que surge apenas via telefónica no final da peça, para confirmar a sua presença e influência como derradeira beneficiária dos despojos.
Sabujo é a prova de que o teatro não se mede aos palmos e a verdade se encontra nos lugares mais insuspeitos.

Em cena até dia 27 de Outubro.

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