Baptizada de Pés de Roque Enrole, a série de cinco concertos que trouxe Samuel Úria ao Musicbox em Lisboa e que termina nos Maus Hábitos no Porto, já fazia prever o que encontraríamos em palco: um reportório “back to basics”, uma viagem explosiva ao passado e um regresso às “Velhas Glórias”. Mas foi muito mais do que isso.
A Catarina Munhá, com a sua voz doce e de ukulele em riste, coube-lhe a missão de aquecer a sala para o enorme Samuel, tarefa que, juntamente com Daniel Costa, cumpriu com distinção. Através de algumas canções do seu álbum de estreia Animal de Domesticação, apresentou-nos a sua casa e a sua forma de estar, desde o seu rés-do-chão às águas furtadas e que arrancou do público uma ou outra dança suave.
Luzes baixas e um ou outro problema técnico depois, entravam em cena Jónatas Pires (guitarra), Miguel Ferreira (teclas), António Quintino (baixo), Tiago Ramos (bateria) e o “mestre-de-cerimónias” Samuel Úria, para uma hora e meia alucinante que começou logo, e bem, ao ritmo do Rock and Roll. Ouviu-se “Miúdo” d’As Velhas Glórias, abrandando-se depois o passo com “Aeromoço” e “Essa Voz”.
Seguiu-se a força de “Repressão”, um grito provocador que o público sabia de cor e não se inibiu de cantar, para depois chegarem as incontornáveis baladas de Samuel Úria. “O meu nome é Santo António, agarrem nas mãos das vossas queridas” introduzia “Mãos”.
O alinhamento passava de novo pelos tempos de ouro de As Velhas Glórias, e Filipe Sousa ou “Lipe”, que se misturava no público com outros amigos de Samuel Úria, subiu ao palco, despiu o casaco e “regressou”à bateria, para juntos fazerem soar músicas de um passado que os uniu: “Força de Bloqueio” e “Ninivita”. Mas o grande momento da noite chegaria a seguir.
“Lenço Enxuto” é daqueles clássicos incontornáveis e deixou-nos a sós com Samuel Úria e a sua guitarra. A proximidade e a atmosfera intimista sentiu-se ao longo de todo o concerto, é certo, mas aqui ganhou claramente outros contornos. O público, absorvido, sentia cada palavra da letra genial por detrás da canção e entoava-a em uníssono.
E porque Samuel Úria não o é sem os seus passos de dança, os “pés de roque enrole”, em “Fusão” foi exactamente isso que nos deu: os seus “moves” incomparáveis e irrepetíveis.
Seguiram-se ainda músicas como “Não Arrastes O Meu Caixão”, “Tapete”, a reinterpretação à portuguesa de “Molly’s Lips”, que na voz de Samuel Úria é “os Lábios da Amália”, “A Malha do Afonso” e a fechar outro clássico: “Teimoso”. Mas haveria ainda tempo para dois encores.
O regresso da banda ao palco levou-nos até Paris “com cobertores no chão”, através de “Barbarella e Barba Rala” e trouxe-nos “livros de engordar”, ao som de “É Preciso que Eu Diminua”.
Depois foi a típica expressão “mais uma” que se ouviu em coro plateia fora. “Carga de ombro”, gritavam uns. “Ferrugem”, gritavam outros. A banda acede, mas Samuel Úria deixa o aviso “não fiquem tão contentes, que não é nenhuma das que vocês pediram”. O concerto que regressou às origens Rock and Roll de Samuel Úria terminaria, tão bem como começou, com “Tigre Dentes de Sabre”.
O trabalho de Samuel Úria nunca desilude. Jogos de palavras inacreditáveis, letras fortes e nem sempre fáceis, mensagens inteligentes, cruas e provocadoras, sonoridades de arrepiar. E ao vivo? Uma banda madura e coesa que faz parecer simples aquilo que não é, guiada pelo humor que agarra quem o ouve a cada piada, pela voz inconfundível, pela calma e a mestria deste hábil cantautor.