No mágico ano de 67, enquanto os Beatles — que Reed, em 87, à Rolling Stone, haveria de confessar detestar juntamente com os Doors — celebravam o summer of Love com Sgt. Pepper, os Velvet Underground olhavam para o futuro da música rock. Abraçaram um som dissonante, uma base rítmica simples e uma escrita inspirada na literatura com a estreia The Velvet Underground & Nico (Verve Records) e Eno profeticamente anunciou: “the first Velvet Underground album only sold 10,000 copies, but everyone who bought it formed a band.”
Ao álbum mais “avançado” de sempre (vamos arriscar), abandonada a influência sufocante de Warhol e feita a despedida a Nico, seguiram-se mais três trabalhos que, longe da importância do primeiro, passaram com distinção a prova do tempo: White Light/White Heat (1969), que subiu o nível dos decibéis e marcou a despedida (por expulsão) de Cale, substituído por Doug Yule, The Velvet Underground, o homónimo, mais acústico e com menos acidez e perversa bizarria que a falta de Cale fez notar e, finalmente, Loaded (1970) que “fechou” o grupo com as saídas de Reed e Morrison (esqueçamos o Squeeze, álbum que nem está reconhecido na discografia da oficial da banda).
Voltemos, por isso, ao ponto que interessa, o do impacto: a ressaca do Summer of Love de 67. Reed nunca esteve com rodeios e por essa altura, à Rolling Stone, já explicava: “Sempre tivemos as maiores objeções em relação a toda a cena de S. Francisco. É uma completa mentira, uma aborrecida falta de talento geral. Não sabem tocar e são absolutamente incapazes de compor. Passo a vida a dizer isto e ninguém liga. Costumávamos calar-nos, mas deixei de me ralar por dizer coisas negativas, alguém tem de falar”. A ideia de paz não passava necessariamente por um banho de amor, mas fundamentalmente por não deixar ninguém desfrutar das canções de forma frívola, pois “isso iria contra a política nacional”.
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O álbum a que o rock ficou a dever todos os seus melhores créditos futuros e que hoje faz 52 anos, abre com “Sunday Morning”, uma bonita ode à paranóia. “I’m Waiting For the Man”, algures entre Bob Dylan e o glam rock, lançou as bases da fundação da futura igreja de David Bowie (“Hey white boy, what you doin’ uptown?”). O genial “Venus In Furs” colocava a dissonante guitarra de Cale contra a bateria hipnótica de Maureen Tucker sobre uma letra de Reed resultante da sua leitura de Leopold von Sacher-Masoch. “Femme Fatale” soma Nico à banda e é uma canção pedida por Warhol, dedicada a Edie Sedgwick, a primeira de muitas personagens da Factory que viriam a influenciar a banda. “All Tomorrow’s Parties” é outra das inspiradas na vida Factory. O piano repetitivo de Cale conduz uma melodia melancólica sobre uma mulher que perdeu a sua família, “Run Run Run” celebra a “New York City junkie life” e “There She Goes Again” traz a influência do R&B directamente de hit, de 62, de Marvin Gaye, “Hitch Hike”, mas focado na leitura de Reed do dia-a-dia de uma prostituta, “She’s out on the streets again / She’s down on her knees, my friend / But you know she’ll never ask you please again”, porém, longe da ideia trágica dessa mulher: “Now take a look, there’s no tears in her eyes / Like a bird, you know she would fly, what can you do / You see her walkin’ on down the street / Look at all your friends that she’s gonna meet…”. “I’ll Be Your Mirror”, que acabou por ser o single do álbum, lançado em 1966, tem uma agressividade vocal de Nico que nunca foi do agrado de Reed e Cale. O experimentalismo deste último surge em “The Black Angel’s Death Song” e “European Son”, com letra de Reed, e vem dedicada ao seu mentor da altura, Delmore Schwartz. O álbum ainda nos traz uma das mais bonitas “drug songs” de sempre, “Heroin” que até define bem o álbum. Abrindo com uma linha da guitarra de Reed sobre uma cacofonia de sons, a geração flower power, entre LCD e marijuana, era apresentada a um “anjo negro”.
A puríssima verdade: os Velvets odiavam hippies e diziam-no em voz alta. Aos incensos, contraponham com a dureza. Resultado: fala-se em vendas de 30 mil discos em… cinco anos. Porém, no ano de 2019, 52 anos depois e numa galáxia distante…
Por defeito profissional, o Paulo Alves escreve de acordo com o novo desacordo ortográfico.
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